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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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afirmar que as tradições, culturas e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s são “inventadas”. Será então que tudo se<br />

esgota nessa rubrica? Será que não estamos diante <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> fúria <strong>de</strong>sessencializadora<br />

em que a análise dos processos culturais parece ancorar-se num prece<strong>de</strong>nte<br />

lógico <strong>de</strong> que a cultura existe em estado <strong>de</strong> fragmentação, à espera <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> sempre<br />

artificialmente construída? Isso não parece minimizar a preocupação com as bases reais <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong> subjacentes aos fenômenos <strong>de</strong> reelaboração cultural, além <strong>de</strong> sua necessária<br />

modulação às situações históricas concretas vividas pelos novos affirmative actors?. Em<br />

outras palavras e, nas palavras <strong>de</strong> Sahlins (1997: 136): “a <strong>de</strong>fesa da tradição implica alguma<br />

consciência; a consciência da tradição implica alguma invenção; a invenção da tradição<br />

implica alguma tradição” 3 . Tendo em vista tal démarche, proponho a hipótese <strong>de</strong> investigar<br />

o caso açoriano como um fenômeno <strong>de</strong> etnização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, enfatizando seu caráter<br />

organizacional e político no duplo contexto marcadamente multiétnico da região catarinense<br />

e das reações localistas aos efeitos homogeneizadores da globalização cultural. O fenômeno<br />

<strong>de</strong> etnização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> investe em mecanismos agenciadores como a reconexão com as<br />

raízes (os Açores); a marcação <strong>de</strong> um passado pioneiro, com ênfase numa epopéia fundadora<br />

(a saga dos imigrantes açorianos do século XVIII); a seleção <strong>de</strong> tradições, na forma <strong>de</strong> novas<br />

pautas <strong>de</strong> eventos evocativos e a difusão <strong>de</strong> um repertório cultural; a valorização da autoestima<br />

pelo orgulho <strong>de</strong> ter uma origem, uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e tradições próprias; enfim, <strong>de</strong> ter uma<br />

diferença <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a que se possa dar valor próprio em face dos outros. Nos tempos<br />

atuais, os açoriano-brasileiros <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> vêm promovendo uma ligação mais<br />

generalizada, massiva e orgânica aos açorianos do Arquipélago dos Açores. Vêm procurando<br />

fortalecer os laços <strong>de</strong> pertencimento à sua homeland imaginada e a uma comunida<strong>de</strong><br />

diaspórica <strong>de</strong> imigrantes e <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes.<br />

2 A idéia <strong>de</strong> “resgatar” as “tradições” é uma concepção nativa corrente entre as li<strong>de</strong>ranças açorianistas, bem<br />

como nos cenários da mídia e dos eventos oficiais locais. Veremos mais adiante o contexto no qual emergem tais<br />

categorias.<br />

3 Ver Gaurav (1993) para uma crítica da “invenção da invenção” na episteme oci<strong>de</strong>ntal.

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