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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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situações serão objeto <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scrição sobre a sociabilida<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> relatos obtidos em<br />

campo, entrevistas e notas do diário <strong>de</strong> campo.<br />

175<br />

4.2. - A SOCIABILIDADE DO ILHÉU: CENÁRIOS, EVENTOS, ATOS, FALAS<br />

Esta seção constitui, <strong>de</strong> maneira explícita, uma tentativa <strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> aos<br />

estudos que <strong>de</strong>senvolvi no mestrado, cujo foco era o ritual da “farra do boi” na localida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Bombinhas, a 40km ao norte <strong>de</strong> Florianópolis. Nesse sentido, a pesquisa <strong>de</strong> campo feita no<br />

doutorado em 2001, ao incorporar outros eventos rituais, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma continuação da<br />

pesquisa <strong>de</strong> campo feita naquela ocasião (1993).<br />

Enquanto estudava a farra do boi “por <strong>de</strong>ntro”, tentando <strong>de</strong>scobrir seu idioma ritual e<br />

os significados que os nativos lhe atribuíam, chamava-me atenção a recorrência <strong>de</strong> certos<br />

modos básicos <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certos mecanismos obrigatórios <strong>de</strong> ação interpessoal,<br />

enfim <strong>de</strong> certos códigos <strong>de</strong> relacionamento, conversação e execuções performáticas muito<br />

comuns que invadiam todas as ativida<strong>de</strong>s, fossem elas ligadas ao mundo do trabalho, da casa<br />

ou da rua, ao mundo mágico-religioso ou ao dos divertimentos comunitários. Em 1994, ao<br />

concluir minha <strong>de</strong>scrição etnográfica sobre o ritual da farra do boi, escrevi:<br />

A Farra opera, reúne, nega e rememora aspectos importantes da organização social<br />

nativa, a exemplo da sugestiva leitura <strong>de</strong> Geertz sobre a briga <strong>de</strong> galos em Bali. Dois<br />

aspectos parecem-me extremamente relevantes. O primeiro diz respeito à inscrição<br />

da festa na hierarquia dos grupos etários, estado civil e relações <strong>de</strong> gênero. A Farra<br />

chama atenção primeiramente pela iniciativa – estimulada por todos – para que os<br />

grupos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e gênero reúnam-se e conquistem mais um boi para a comunida<strong>de</strong>.<br />

Nesse sentido, cada grupo expõe suas próprias características e comportamento. O<br />

segundo aspecto tem a ver com o modo pelo qual os nativos organizam suas<br />

ativida<strong>de</strong>s diárias visando objetivos comuns: prevalece um sistema <strong>de</strong> trocas e<br />

serviços baseados nas relações entre parentes e afins e re<strong>de</strong>s locais <strong>de</strong> ajuda mútua.<br />

Quando se quer organizar ou promover qualquer ação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a pesca <strong>de</strong> arrasto, o<br />

fabrico da farinha até festas religiosas e procissões, mesmo as cantorias e danças ou<br />

ativida<strong>de</strong>s filantrópicas, ativam-se esquemas <strong>de</strong> entre-ajuda, buscam-se doações,<br />

favores, benefícios especiais, rifas e sorteios. A Farra também se caracteriza por esse<br />

princípio, acionada sempre por rifas e listas <strong>de</strong> sócios. (LACERDA, 2003: 116)<br />

Não acontece uma farra do boi sem que os farristas se constituam como “sócios” do<br />

boi. Fazer uma “socieda<strong>de</strong>” é algo bastante recorrente no meio nativo. Descobri, em

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