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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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liberda<strong>de</strong> do donatário em retribuir ou não à dívida gerada. Esta possibilida<strong>de</strong> faria aumentar<br />

a confiança no vínculo que os atores-trocadores <strong>de</strong>sejam manter. Mauss já observara que no<br />

Kula, “a pessoa dá como se não fosse nada, o doador mostrando uma modéstia exagerada”<br />

(KARSENTI, 1994 apud GODBOUT, 2002: 75). Mesmo nossas fórmulas cotidianas <strong>de</strong><br />

cortesia têm o mesmo sentido: “<strong>de</strong> rien”, “<strong>de</strong> nada”, “my pleasure”. Leforf ([1951] 1979)<br />

também observou neste sentido que não fazemos dons para sermos retribuídos, mas para que<br />

o outro faça seu dom. E Mary Douglas (1990 apud Godbout, op. cit.:80) chamou atenção<br />

para o fato <strong>de</strong> que o chamado “free-gift” (dom unilateral) não seria <strong>de</strong>finido pela ausência <strong>de</strong><br />

retribuição mas pela ausência <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> retribuição ou, mais precisamente, pela sua<br />

recusa. Parece haver, portanto, no <strong>de</strong>bate teórico acerca da dádiva, uma fonte <strong>de</strong> mal<br />

entendidos entre a observação do que circula e a significação do que circula. Haveria então<br />

uma incerteza estrutural no sistema, um risco permanente, que torna a retribuição do outro<br />

incerta. Esta incerteza afastaria os agentes trocadores o mais possível do outro sistema,<br />

fundado no contrato, na regra do mercado, na liquidação das dívidas ou na moral do <strong>de</strong>ver.<br />

Este parece ser o contraponto propriamente maussiano.<br />

Esta questão da intencionalida<strong>de</strong> do agente trocador <strong>de</strong>ntro dos sistemas sociais da<br />

dádiva, foi levantada inicialmente por Clau<strong>de</strong> Lefort (op cit.) e permitiu-me dialogar mais<br />

agudamente com o objeto <strong>de</strong> estudo local.<br />

Partindo da análise <strong>de</strong> um aspecto primordial que eu chamei a eficácia simbólica das<br />

promessas <strong>de</strong>ntro do sistema local da dádiva, dialoguei com o trabalho <strong>de</strong> Lanna (1995). A<br />

etnografia <strong>de</strong>ste autor trata das formas não capitalistas <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e da lógica da dádiva<br />

em duas localida<strong>de</strong>s do nor<strong>de</strong>ste do Brasil. Lanna estudou o compadrio, as eleições, os<br />

leilões nas festas <strong>de</strong> padroeiro, o batismo, a patronagem e o clientelismo. Seu trabalho avança<br />

sobre as análises clássicas <strong>de</strong> Pitt-Rivers e Wolf (apud LANNA, 1995: 225, passim), contra<br />

um procedimento <strong>de</strong> análise que separa funcionalmente as esferas econômica, política e

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