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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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Marilena – É, tá fazendo quase a mesma coisa. Ele faz as coisas e não conta. Ainda domingo,<br />

falando com a minha vizinha, ela disse: ‘Ah, o Paulo foi pra Laguna, ver a minha mãe. Foi<br />

por causa do Teotônio que arranjou uma passagenzinha pra ele’. Olha que a gente <strong>de</strong>ve<br />

obrigação a esse homem! Mas ele não conta nada. Ele tem feito coisa lá que tu nem imagina.<br />

Arranjar passe pra um, emprego pra outro, perna mecânica pra outro. Essa festinha da igreja,<br />

ele arrumou três mil reais! Remédios que ele arranja. Então se ele continuar nesse mesmo<br />

estilo, vai ser o segundo seu Antônio. Além disso, ele puxa pra comunida<strong>de</strong>. Todo ano<br />

ilumina a rua no Natal. Nunca teve aquilo lá. Ele fala com a prefeita, dá lâmpada, a pracinha<br />

tá sempre bonita, iluminada. Mandou plantar aquelas palmeiras, fez jardim.<br />

201<br />

Pois bem, a questão que levanto <strong>de</strong> imediato diz respeito às possibilida<strong>de</strong>s da leitura<br />

antropológica do “clientelismo” e <strong>de</strong> fenômenos correlatos, como o “compadrio”, a<br />

“patronagem”, a “política do favor” etc. Sabemos que há uma abordagem sociológica clássica,<br />

fundada em explicações reducionistas do sistema, segundo a qual o “clientelismo” é um<br />

sistema que “funciona” para reforçar relações <strong>de</strong> dominação, que sua eficiência <strong>de</strong>ve-se à<br />

habilida<strong>de</strong> dos patrões em manipular meios materiais e, assim, manter <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes seus<br />

clientes e que o sistema vale-se <strong>de</strong> instituições como o compadrio para usá-las com fins<br />

políticos 24 . Em relação ao Brasil, há uma forte tradição <strong>de</strong> estudos sobre o “coronelismo”, o<br />

“caciquismo”, a “política <strong>de</strong> favores” e o “clientelismo político”. Tais estudos, tematizando o<br />

que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>signar <strong>de</strong> uma “sociologia da patronagem” (CANIELLO, 1990), procuraram<br />

estabelecer mo<strong>de</strong>los explicativos para dar conta das várias versões do “mandonismo local” na<br />

história do po<strong>de</strong>r político autoritário brasileiro (LEAL, 1975; QUEIROZ, 1976; HOLANDA<br />

BARBOSA & DRUMOND, 1986). Gostaria <strong>de</strong> propor uma leitura <strong>de</strong> caráter mais<br />

fenomenológico, na perspectiva <strong>de</strong> ver o chamado “clientelismo” não como um mecanismo<br />

sociológico tacitamente ligado à análise do po<strong>de</strong>r, mas como um padrão <strong>de</strong> comportamento<br />

que tem uma base ética específica e que <strong>de</strong>ve ser analisado em um contexto etnográfico<br />

específico 25 .<br />

24 Nesta direção, me associo às críticas <strong>de</strong> Lanna (1995, p. 225 et. seq.) às análises funcionalistas e marxistas do<br />

clientelismo, da patronagem e do compadrio em socieda<strong>de</strong>s mediterrâneas e latinas feitas por autores como Pitt-<br />

Rivers e Eric Wolf . Voltaremos a este ponto na conclusão.<br />

25 Ver Caniello (1990), para um estudo etnográfico sobre as modulações da ética da patronagem e da rivalida<strong>de</strong><br />

no contexto <strong>de</strong> transformações capitalistas em uma cida<strong>de</strong> do interior do Brasil.

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