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O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

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haveria uma generalizada “crença <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> no permanente endividamento daqueles que<br />

são (ou estão) hierarquicamente em posições inferiores” (op. cit., p. 37), uma crença que<br />

legitimaria as formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, fazendo com estas não possam ser reduzidas à lógica<br />

da dominação <strong>de</strong> classe Daí o autor falar em “dádiva-dívida” e em “dívida divina” (op. cit.,<br />

Introdução). Tudo seria construído pela dívida, inclusive o Estado, que tem uma dívida social<br />

impagável. Mas o endividamento permanente estaria fundado em uma dívida, digamos,<br />

fundadora, inicial, crível em seu caráter divino (essa interpretação fica mais clara quando<br />

Lanna discute o compadrio e o batismo católico no último capítulo). Tratam-se <strong>de</strong> questões<br />

ligadas à fundação das relações sociais, (do social como um todo) e, portanto, não po<strong>de</strong>m ser<br />

vistas sob a chave <strong>de</strong> leitura sempre levantada pelos cientistas sociais, da legitimação dos<br />

po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> classe. Pois bem, o autor diz que tudo isso merece estudos futuros (p. 37), mas ele<br />

tem o mérito <strong>de</strong> abrir o foco. É este foco sagrado que percebo reiterado na minha etnografia. E<br />

aqui gostaria <strong>de</strong> colocar as “promessas” como a operação e o ato <strong>de</strong> sentido fundamental das<br />

relações <strong>de</strong> troca entre os nativos ilhéus. O estudo <strong>de</strong> Lanna (1995) começa (p. 37) e termina<br />

(p. 236) com as promessas. Mas, ao longo do texto, o autor não mais promete, ou melhor, não<br />

mais remete a tal categoria. Da mesma forma, Lanna reconhece não ter <strong>de</strong>senvolvido a<br />

categoria nativa do favor (p. 216), que, assim como a promessa, apareceram fundamentais em<br />

minha pesquisa e o são para o estudo antropológico das relações sociais no Brasil. Trata-se <strong>de</strong><br />

contribuir neste esteio <strong>de</strong> análise aberto por Lanna. Voltando ao tema do “clientelismo”,<br />

sugeri a algumas páginas atrás que uma leitura <strong>de</strong> tais relações a partir da ótica dos sistemas<br />

<strong>de</strong> dádiva ofereceria maior rendimento, no sentido da complexida<strong>de</strong> e das significações nelas<br />

operadas, do que se partíssemos das análises mais clássicas, que têm uma quase-obsessão com<br />

a questão da reprodução social e que não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> explicá-la como a “sobrevivência <strong>de</strong> um<br />

po<strong>de</strong>r autoritário fundado em relações personalizadas” (MARTINS, 2002, p. 9). Penso que<br />

34 Para um pequeno arrazoado da trajetória dos estudos <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> no Brasil, ver Melatti (s/d [1984]).

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