O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
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para o trabalho <strong>de</strong> tradução cultural dos acontecimentos rituais feitos pelo observador. Em<br />
lugar <strong>de</strong> enfatizar o rito como revelador <strong>de</strong> uma cultura, uma mentalida<strong>de</strong>, uma socieda<strong>de</strong>,<br />
propõe-se uma nova classificação, um estudo voltado aos “gêneros performativos”, que não<br />
seriam limitados a teatro, concertos, palestras, como reconhecidos no mundo oci<strong>de</strong>ntal, mas<br />
incluiriam ritos, rezas, cerimônias, festivais, casamentos etc. (LANGDON, 1999, p. 23-30).<br />
Em segundo lugar, a idéia <strong>de</strong> performance indica – conforme Austin, para sua filosofia da<br />
linguagem comum (ROHMANN, 2000, p. 164) – a “força ilocucionária” dos acontecimentos<br />
rituais. Isto é, os atos performativos seriam aqueles nos quais a enunciação já constitui a sua<br />
realização, como na expressão Eu prometo!... (PEIRANO, 2000, p. 10). Estas discussões me<br />
vêm a propósito das questões levantadas por Mariza Peirano em seu recente trabalho<br />
Antropologia dos Rituais (2000) . Inspirada nos trabalhos <strong>de</strong> Tambiah (1979, 1985) relativos a<br />
uma “teoria performativa do ritual”, a autora pergunta “O que significa propor, no momento<br />
atual, a abordagem dos rituais como estratégia para analisar eventos etnográficos?” Sua<br />
resposta – que eu endosso – é que, embora o instrumental básico <strong>de</strong> abordagem dos rituais se<br />
tenha mantido na disciplina ao longo do século, o foco clássico, que antes era direcionado<br />
para um tipo <strong>de</strong> “fenômeno consi<strong>de</strong>rado não rotineiro, geralmente <strong>de</strong> cunho religioso”<br />
(PEIRANO, 2000, p. 17) e também informado por uma ótica da excepcionalida<strong>de</strong>, do exótico<br />
e do bizarro (op. cit., p. 29), agora se amplia, e o foco, mais refinado, passa a dar lugar a uma<br />
abordagem que privilegia os “eventos críticos” (diria eventos rituais) <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />
qualquer (op. cit., p. 35). Cito:<br />
Tanto eventos ordinários, quanto eventos críticos e rituais partilham <strong>de</strong> uma<br />
natureza similar, mas os últimos são mais estáveis, há uma or<strong>de</strong>m que os estrutura,<br />
um sentido <strong>de</strong> acontecimento cujo propósito é coletivo, e uma percepção <strong>de</strong> que eles<br />
são diferentes. Eventos em geral são por princípio mais vulneráveis ao acaso e ao<br />
impon<strong>de</strong>rável, mas não totalmente <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> estrutura e propósito se o olhar<br />
do observador foi previamente treinado nos rituais (PEIRANO, 2000, p. 8, grifo<br />
meu).<br />
necessida<strong>de</strong>”. Nesse caso, a narração do poeta é re-presentação ou teatro sobre o real. Para um aprofundamento<br />
<strong>de</strong>sta discussão estética, ver Souza (1966; 1973) e Menezes Bastos (1993).