O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
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um <strong>de</strong>serto, fantasma. Até aquele que tinha um mercadinho ali fechou porque não tem<br />
população, que não tem nada ali que agüentar. Tinha uma padaria, sempre teve, nem ela<br />
agüentou. Havia fábrica <strong>de</strong> café, fábrica <strong>de</strong> anzol, porque a maioria era pescador. Todo mundo<br />
morava aqui, produzia e vendia tudo aqui. Dava emprego pra muita gente. (...) Hoje nem tem<br />
mais peixe, rapaz. A gente tem que trazer do Centro pra comer um peixe.<br />
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Quando se trata da vida local, nota-se que é em torno das festas, missas, bingos,<br />
cerimônias, procissões e outras ativida<strong>de</strong>s da paróquia Nossa Senhora da Lapa, que se po<strong>de</strong><br />
observar as maiores concentrações <strong>de</strong> pessoas da freguesia.<br />
Marilena – Todos são muito obedientes ainda ao padre. O padre é a autorida<strong>de</strong> máxima. A<br />
maioria ainda respeita. Embora hoje já haja algum rebel<strong>de</strong>. No meu tempo não. O que o padre<br />
dizia era sagrado. Hoje tem muito estudante que se rebela. Outro dia o padre cortou uma<br />
árvore, o povo não gostou. Gerou polêmica, discussão. Se isso acontecesse na minha época,<br />
jamais ia acontecer uma revolta do povo. (...) Tudo girava em função da igreja mesmo. E<br />
ainda hoje em dia, a maioria ainda conserva isso aí.<br />
No interior da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, as antigas comunida<strong>de</strong>s tiveram dois <strong>de</strong>stinos<br />
nos últimos 25 anos: ou se transformaram completamente em balneários turísticos, com a<br />
venda da maioria dos terrenos para novos moradores, ou não se transformaram<br />
completamente, <strong>de</strong> modo que os her<strong>de</strong>iros dos antigos moradores ainda mantêm algum grau<br />
<strong>de</strong> convivência, seja sazonal (temporadas) ou semanal (fins <strong>de</strong> semana, feriados ou datas<br />
festivas), justamente porque moram no lugar e trabalham em outro ou transformaram suas<br />
moradias em casas <strong>de</strong> lazer familiar temporário 14 . Isso me faz pensar que o patrimônio<br />
cultural mais significativo que estas comunida<strong>de</strong>s ainda <strong>de</strong>têm, além das festas, é um<br />
patrimônio <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, ligado à vizinhança, aqui no sentido colocado por Appadurai<br />
(1996 :cap. 9), não como uma estrutura vista a partir da escala física <strong>de</strong>terminante <strong>de</strong> um<br />
lugar, mas enquanto “estrutura <strong>de</strong> sentimento” que se reproduz para além do lugar. Quer<br />
dizer, são pessoas que se conhecem há muito tempo, cresceram juntas, <strong>de</strong> modo que se po<strong>de</strong><br />
observar a presença daquela atitu<strong>de</strong> social ambígua, que varia entre a fluência das práticas <strong>de</strong><br />
14 Sobre as transformações espaciais da comunida<strong>de</strong> do Pântano do Sul, ver Costa Pereira (op. cit).