O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
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existencial <strong>de</strong> estar “sem raízes” é cancelada subjetivamente, talvez até invertendo as posições<br />
do sujeito diaspórico: o que era familiar tornou-se estranho no retorno <strong>de</strong> uma terra<br />
estrangeira que tinha se tornado familiar. Este ex-emigrante, uma vez retornado, sente-se<br />
agora estranho na terra on<strong>de</strong> nasceu. Compartilhando lealda<strong>de</strong>s diferentes, transitando pelo<br />
terreno da ambigüida<strong>de</strong>, tenta recriar a sua antiga “home” com novos olhos. Des-centrado pela<br />
experiência diaspórica, procura re-centrar-se, tomando como porto <strong>de</strong> partida a sua “viagem<br />
da volta”. Como escreve Oliveira (1999:30), a viagem “é a enunciação auto-reflexiva da<br />
experiência <strong>de</strong> um migrante”. Esta enunciação contém a imagem <strong>de</strong> uma “viagem da volta”,<br />
inscrita na mente do imigrante e transposta no versos <strong>de</strong> Torquato Neto (1973) 17 : “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
saí <strong>de</strong> casa, trouxe a viagem da volta gravada em minha mão, enterrada no umbigo, <strong>de</strong>ntro e<br />
fora assim comigo, minha própria condução” (apud Oliveira, i<strong>de</strong>m). Isto significa que, ao<br />
contrário do que supõe Clifford (op. cit.:250) sobre ser a relação com a origem uma<br />
característica não das populações migrantes, mas das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s nacionais e dos povos<br />
indígenas, a experiência diaspórica implica em <strong>de</strong>scentramentos e recentramentos,<br />
combinando <strong>de</strong> diversas formas tanto as trajetórias como as origens do sujeito migrante. A<br />
viagem do emigrante não é só <strong>de</strong> ida, pois, fora da sua terra, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir, real ou<br />
imaginariamente que a viagem po<strong>de</strong> ser também ao contrário. É o que mostra o relato <strong>de</strong><br />
Manuel Oliveira, emigrante luso-americano, escritor e “regressante”:<br />
Tornamo-nos pessoas <strong>de</strong> plenos direitos e alargamos a visão do mundo e lá <strong>de</strong>scobrimos que a<br />
viagem também se fazia ao contrário, mas esta agora é uma viagem mais virtual, que também<br />
po<strong>de</strong> ser real, pois muito gostamos <strong>de</strong> vos ter por cá, nesta ilha do regresso, que nos une a<br />
todos, dos dois lados do Atlântico, que assim continua a ser nosso, este mar <strong>de</strong> múltiplos e<br />
sentidos afetos.<br />
17 Torquato Neto [1944 –1972], poeta brasileiro ligado ao movimento tropicalista dos anos 60, teve seus textos<br />
poéticos reunidos, após uma trágica morte, na obra Os últimos dias <strong>de</strong> paupéria (1982). Traduzindo uma voz em<br />
constante transição pelo mundo, revela a crise do sujeito em meio à realida<strong>de</strong> estilhaçada, marcada pelos<br />
movimentos políticos <strong>de</strong> 1968 no Brasil e a falência dos movimentos <strong>de</strong> jovens na França e na Alemanha O tema<br />
do exílio familiar, vivido como partida e miragem <strong>de</strong> volta, é um impulso <strong>de</strong> transformação pessoal que está na<br />
base <strong>de</strong> sua poética.