30.10.2014 Views

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

76<br />

existencial <strong>de</strong> estar “sem raízes” é cancelada subjetivamente, talvez até invertendo as posições<br />

do sujeito diaspórico: o que era familiar tornou-se estranho no retorno <strong>de</strong> uma terra<br />

estrangeira que tinha se tornado familiar. Este ex-emigrante, uma vez retornado, sente-se<br />

agora estranho na terra on<strong>de</strong> nasceu. Compartilhando lealda<strong>de</strong>s diferentes, transitando pelo<br />

terreno da ambigüida<strong>de</strong>, tenta recriar a sua antiga “home” com novos olhos. Des-centrado pela<br />

experiência diaspórica, procura re-centrar-se, tomando como porto <strong>de</strong> partida a sua “viagem<br />

da volta”. Como escreve Oliveira (1999:30), a viagem “é a enunciação auto-reflexiva da<br />

experiência <strong>de</strong> um migrante”. Esta enunciação contém a imagem <strong>de</strong> uma “viagem da volta”,<br />

inscrita na mente do imigrante e transposta no versos <strong>de</strong> Torquato Neto (1973) 17 : “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

saí <strong>de</strong> casa, trouxe a viagem da volta gravada em minha mão, enterrada no umbigo, <strong>de</strong>ntro e<br />

fora assim comigo, minha própria condução” (apud Oliveira, i<strong>de</strong>m). Isto significa que, ao<br />

contrário do que supõe Clifford (op. cit.:250) sobre ser a relação com a origem uma<br />

característica não das populações migrantes, mas das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s nacionais e dos povos<br />

indígenas, a experiência diaspórica implica em <strong>de</strong>scentramentos e recentramentos,<br />

combinando <strong>de</strong> diversas formas tanto as trajetórias como as origens do sujeito migrante. A<br />

viagem do emigrante não é só <strong>de</strong> ida, pois, fora da sua terra, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir, real ou<br />

imaginariamente que a viagem po<strong>de</strong> ser também ao contrário. É o que mostra o relato <strong>de</strong><br />

Manuel Oliveira, emigrante luso-americano, escritor e “regressante”:<br />

Tornamo-nos pessoas <strong>de</strong> plenos direitos e alargamos a visão do mundo e lá <strong>de</strong>scobrimos que a<br />

viagem também se fazia ao contrário, mas esta agora é uma viagem mais virtual, que também<br />

po<strong>de</strong> ser real, pois muito gostamos <strong>de</strong> vos ter por cá, nesta ilha do regresso, que nos une a<br />

todos, dos dois lados do Atlântico, que assim continua a ser nosso, este mar <strong>de</strong> múltiplos e<br />

sentidos afetos.<br />

17 Torquato Neto [1944 –1972], poeta brasileiro ligado ao movimento tropicalista dos anos 60, teve seus textos<br />

poéticos reunidos, após uma trágica morte, na obra Os últimos dias <strong>de</strong> paupéria (1982). Traduzindo uma voz em<br />

constante transição pelo mundo, revela a crise do sujeito em meio à realida<strong>de</strong> estilhaçada, marcada pelos<br />

movimentos políticos <strong>de</strong> 1968 no Brasil e a falência dos movimentos <strong>de</strong> jovens na França e na Alemanha O tema<br />

do exílio familiar, vivido como partida e miragem <strong>de</strong> volta, é um impulso <strong>de</strong> transformação pessoal que está na<br />

base <strong>de</strong> sua poética.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!