30.10.2014 Views

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

239<br />

religiosa <strong>de</strong>stes fenômenos. O texto <strong>de</strong> Lanna, ao contrário, reitera a noção maussiana <strong>de</strong> “fato<br />

social total”, apontando para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisar a “lógica hierárquica” que engloba os<br />

sistemas <strong>de</strong> troca na socieda<strong>de</strong> brasileira. Esta lógica <strong>de</strong> obrigações que se dá entre patrões e<br />

empregados, entre cumpadres, eleitores e políticos e até no âmbito do Estado brasileiro, seria<br />

informada por uma concepção generalizada <strong>de</strong> que haveria um “fundamento sagrado da<br />

socieda<strong>de</strong>” (op. cit. 209), legitimando po<strong>de</strong>res e formas <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. Dizendo <strong>de</strong> outro<br />

modo, Lanna parece ter <strong>de</strong>tectado que haveria uma generalizada “crença <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> no<br />

permanente endividamento daqueles que são (ou estão) hierarquicamente em posições<br />

inferiores” (p.37). Uma crença que legitimaria as formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> mas que<br />

estas não po<strong>de</strong>riam ser reduzidas à lógica da dominação <strong>de</strong> classe. Daí o autor falar em<br />

“dádiva-dívida” e em “dívida divina” (op. cit.: introdução). Para Lanna, tudo seria construído<br />

pela dívida, inclusive o Estado, que tem uma dívida social impagável. Este endividamento<br />

permanente estaria fundado em uma dívida, digamos, fundadora, inicial, crível em seu caráter<br />

divino.<br />

Agora bem, o autor diz que tudo isso merece estudos futuros (p.37), mas ele tem o<br />

mérito <strong>de</strong> abrir o foco. Então, reabri este foco sobre o sagrado nas relações <strong>de</strong> dádiva/dívida<br />

porque o percebi reiterado na minha etnografia quando focalizei as “promessas” dos<br />

“<strong>de</strong>votos” ou “clientes” como a operação <strong>de</strong> sentido fundamental das relações <strong>de</strong> troca entre<br />

os ilhéus. O estudo <strong>de</strong> Lanna começa (p.37) e termina (p.236) com as promessas mas, ao<br />

longo do texto, o autor não mais promete, ou melhor, não mais remete a tal categoria. As<br />

relações <strong>de</strong> dádiva-dívida, constituem prestações e contraprestações recriadas constantemente<br />

pelo endividamento dos atores-trocadores, pois é justamente a dívida que sustenta a<br />

continuida<strong>de</strong> do vínculo que se quer prezar. O que eu adicionaria a esta explicação tem a ver<br />

com a dose <strong>de</strong> intencionalida<strong>de</strong> dos atores e, não, com o dispositivo estrutural da dádiva em<br />

si. O cancelamento <strong>de</strong> uma dívida (divina), ato (sacrificial) que recria a troca, está dado pelo

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!