O Atlântico Açoriano - Musa - Universidade Federal de Santa Catarina
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Jair – O vigia não é qualquer pessoa. Se não for um vigia bom... São pessoas que olham o mar<br />
e percebem que ali vai um cardume <strong>de</strong> peixe. Eu, por exemplo, não tô acostumado. Eu vejo<br />
quando uma pessoa me mostra. Porque os vigias, eles olham assim... A tainha nem pula. Eles<br />
já olham assim como se fosse um raio X no meio do mar, que ele tá vendo. Uma coisa<br />
incrível. Isso aí tudo se apren<strong>de</strong>. Os vigias são pessoas que trabalharam embarcados, sabe?<br />
Acostumados a ver no barco, numa época que não existia essa aparelhagem toda, sonda, isso e<br />
aquilo. Os mastros já eram pra isso, os barcos pesqueiros já eram pra isso. O cara ia lá em<br />
cima, só olhando o mar, só olhando o mar. Esses eram os verda<strong>de</strong>iros vigias. Depois eles<br />
trouxeram essas técnicas pras praias. Aliás, essa técnica primeiro foi levada da praia pros<br />
barcos. Os barcos levaram muitos vigias das praias pra po<strong>de</strong>rem ficar observando.<br />
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Havia um grupo <strong>de</strong> sete ou oito camaradas. “Camaradas” são chamados os<br />
companheiros <strong>de</strong> trabalho – cerca <strong>de</strong> trinta, reunidos em várias funções hierarquizadas para<br />
organizar as jornadas <strong>de</strong> captura da tainha, nos meses <strong>de</strong> inverno. Em termos gerais, o<br />
camarada é antes <strong>de</strong> tudo um igual no discurso do pescador. Significa também aquele que age<br />
como camarada, isto é, como um companheiro do dia-a-dia, representando, enfim, a atitu<strong>de</strong><br />
daquele que é amigo. A reunião das “camaradagens” forma a “socieda<strong>de</strong>” que são todas as<br />
pessoas da localida<strong>de</strong> com direito a obter os benefícios da captura. O posto da vigia fica numa<br />
parte mais alta da praia, na parte dos “escombros” (áreas da praia com dunas, rosetas e<br />
vegetação nativa, cheia <strong>de</strong> “mocós”, escon<strong>de</strong>rijos naturais). Encontraram este mocó no ano<br />
passado, quando um <strong>de</strong>les, ao encostar, caiu metros abaixo e se “esfolou-se” todo. Era um<br />
lugar i<strong>de</strong>al para observar as mantas <strong>de</strong> tainha. Havia mais um posto <strong>de</strong> vigia para o fim da<br />
praia. No ano anterior, eles vigiaram mais ao sul, na praia da Solidão, numa casa abandonada,<br />
fazendo ali suas comidas e farras. Mas este ano, as ondas estavam muito altas. Descobriram<br />
então este mocó, a que chamaram “porão”, lugar bom para comer, conversar, mas, sobretudo<br />
para estar atento aos cardumes.<br />
Depois da entrevista, eu e meu informante saímos do porão e ficamos no alto,<br />
sentados, observando o mar, junto aos dois outros vigias mais velhos. Já era fim <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> e<br />
nada <strong>de</strong> tainha. O tempo e o mar estavam bons para tainha, mas elas não apareceram. Pouco<br />
vento, mas vindo <strong>de</strong> sul, ondas batendo com pouca altura, por on<strong>de</strong> as tainhas gostam <strong>de</strong><br />
passar, céu claro. Pegaram 80 tainhas há alguns dias e, mais atrás, pegaram num só “lanço”