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sargento naturalmente contra a ação da oficialida<strong>de</strong>.<br />

170<br />

Coronel, ninguém aqui está com essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> querer lutar contra a Pátria, disse pra<br />

ele assim. Ninguém. O que vocês fizeram era o nosso i<strong>de</strong>al e isso aí foi malentendido<br />

<strong>de</strong> vocês, eu disse pra ele assim. E foi isso mesmo, né. Mas prejudicou<br />

muita gente! Muita gente foi pra rua, que não <strong>de</strong>via ir! E passou mal, e passou até<br />

fome <strong>de</strong>pois, né. Por causa <strong>de</strong>sse processo (LUZ, 2011).<br />

Quando Abdon fala “nós”, refere-se aos sargentos, pois segundo ele, o “Grupo dos<br />

Onze” era composto <strong>de</strong> muitos sargentos. E quando fala em “vocês” quer se referir aos<br />

oficiais, numa clara contraposição <strong>de</strong> nós-eles, correspon<strong>de</strong>nte ao mo<strong>de</strong>lo eliasiano. A antiga<br />

recusa dos oficiais em consi<strong>de</strong>rarem os praças como colegas <strong>de</strong> profissão, mas sim como seus<br />

quase servos, trouxe a contrapartida <strong>de</strong> um complexo e inquietante apartamento entre as duas<br />

figurações militares.<br />

Esse padrão <strong>de</strong> relações, carregado no bojo das relações coloniais <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

escravagista, marcou profundamente caráter i<strong>de</strong>ntitário dos jogadores, na dinâmica<br />

negociação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>ntro do Exército. De um lado, os oficiais, julgando-se os legítimos e<br />

absolutos senhores das coisas do Exército. De outro, as praças, pelo menos a maioria <strong>de</strong>las,<br />

julgando-se na condição <strong>de</strong> espoliados, em uma espécie <strong>de</strong> regime <strong>de</strong> servidão conscrita ou<br />

principalmente voluntária.<br />

No caso dos sargentos, tratava-se <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> servidão voluntária, já que a condição<br />

<strong>de</strong> voluntariado era e ainda é básica para o ingresso e para a permanência no Exército, como<br />

sargento.<br />

Preso a essa servidão por uma série <strong>de</strong> questões, o sargento Abdon tinha a plena<br />

consciência do apartamento entre o “nós” praças e o “vocês”, ou “eles” oficiais, aos quais se<br />

refere na entrevista. Acredita que os oficiais “eram a elite”, e tratavam os sargentos como<br />

“sub-raça”, “como um cara analfabeto, praticamente”. Enten<strong>de</strong> que o 20º Batalhão <strong>de</strong><br />

Infantaria tinha fama <strong>de</strong> oficiais “perseguidores <strong>de</strong> sargento” e que as relações tinham como<br />

característica o medo <strong>de</strong> um grupo em relação ao outro (LUZ, 2011).<br />

Não obstante, o sargento Abdon explicita um pensamento que escapa ao mo<strong>de</strong>lo<br />

predominante em seu grupo social, longe da afirmação simplista <strong>de</strong> um padrão relacional<br />

entre semi-servos <strong>de</strong> um lado e senhores <strong>de</strong> outro. Para o lúcido e perspicaz Abdon,<br />

oficiais e sargentos estariam no mesmo caminho, na mesma estrada. Apenas as<br />

funções que cada um tem é que divergem, é que diferenciam a nós, disse pra ele<br />

assim. Nós vamos ter é que nos acostumar em fazer com que eles se acostumem

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