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ameaças externas vão sendo internalizadas e substituídas por uma autorregulação individual.<br />

É lícito pensar que a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>, nesse sentido, passaria, também, pelas<br />

experiências dos estabelecidos em se <strong>de</strong>pararem, na atualida<strong>de</strong>, com altas personalida<strong>de</strong>s,<br />

particularmente do universo político, que serviram o Exército e, possivelmente, guardaram <strong>de</strong><br />

seu tempo lembranças pouco agradáveis. 390<br />

Apesar <strong>de</strong>, oficialmente, o Exército repudiar absolutamente todos os tipos <strong>de</strong><br />

“trotes”, o <strong>de</strong>poente crê que alguns <strong>de</strong>les não seriam assim tão perniciosos à integrida<strong>de</strong> física<br />

e psicológica dos indivíduos, que seriam os mais voltados para um tipo <strong>de</strong> “brinca<strong>de</strong>ira”. Um<br />

tipo <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira seria <strong>de</strong>senvolvido inter-hierarquicamente com os sargentos ou oficiais a<br />

escon<strong>de</strong>r as chaves dos armários dos recrutas, ou retirar <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le a sua ban<strong>de</strong>ja <strong>de</strong><br />

refeições 391 , ou <strong>de</strong>sarrumar suas camas. Eram tipos <strong>de</strong> trotes, que o <strong>de</strong>poente não julga tão<br />

errado, pois “esses tipos <strong>de</strong> trotes meio que testavam ali a parte psicológica do recruta”<br />

(Entrevista nº 6). Essa seria uma espécie <strong>de</strong> visão utilitarista dos trotes, assim como <strong>de</strong>screveu<br />

Celso Castro a respeito <strong>de</strong> alguns ca<strong>de</strong>tes da AMAN, do final da década <strong>de</strong> 1980, “na qual se<br />

apren<strong>de</strong> autocontrole e se adquire resistência a condições adversas” (CASTRO, 1990, p. 29).<br />

O outro tipo <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira seria <strong>de</strong>senvolvido intra-hierarquicamente normalmente<br />

com simulacros <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> um dos aplicadores po<strong>de</strong> vir a representar indivíduos<br />

hierarquicamente superiores, a fim <strong>de</strong> garantir a jocosa obediência do alvo do trote. O<br />

<strong>de</strong>poente se recorda <strong>de</strong> um trote presenciado por ele, que ele <strong>de</strong>fine como uma verda<strong>de</strong>ira<br />

“peça <strong>de</strong> teatro” (Entrevista nº 6). Para não arriscar per<strong>de</strong>r nenhum <strong>de</strong>talhe do evento, <strong>de</strong>ixolhe<br />

a palavra:<br />

334<br />

Um sargento colocou uma farda <strong>de</strong> capitão e ele chegou no alojamento, no nosso<br />

alojamento. Já estava tudo acertado com os colegas. Todo mundo falava que o<br />

capitão era muito brabo, ele punia... que todo mundo tinha medo <strong>de</strong>le. E que nessa<br />

brinca<strong>de</strong>ira nós alertávamos esse sargento novo: 'Muito cuidado com esse capitão!<br />

Esse capitão é um cara brabo. Não tem um cara brabo como esse cara aí. E o colega<br />

ele ficou ouvindo. De repente, chegou esse sargento com a farda <strong>de</strong> capitão.<br />

Simbolizando esse capitão que a gente tava dizendo. E esse capitão chegou no<br />

alojamento, foi uma correria e esse capitão gritando: 'o que é que vocês estão<br />

fazendo aqui, bando <strong>de</strong> vagabundos!' E esse sargento ficou pasmado com toda<br />

aquela cena. Nesse contexto, o capitão chegou pra esse recém-chegado e falou:<br />

'Você! Já conseguiu seu armário’ E o sargento bastante assustado disse que não<br />

390 Um caso que saiu do espaço privado, das conversas diretas, e tornou-se público, a respeito da sádica violência<br />

moral e física aplicada aos soldados, foi o do ex-<strong>de</strong>putado mineiro Luiz Alberto Rodrigues, que conta, num<br />

livro <strong>de</strong> memórias, as suas experiências como soldado do Exército, nos anos <strong>de</strong> 1971 e 1972. Ver:<br />

RODRIGUES, Luiz Alberto. Memórias do soldado Rodrigues. Belo Horizonte: Ed. O Lutador, 2001.<br />

391 Em alguns quartéis, era uma praxe os indivíduos serem os responsáveis por suas ban<strong>de</strong>jas <strong>de</strong> refeições,<br />

<strong>de</strong>sincumbindo o pessoal do rancho <strong>de</strong> sua limpeza e cuidados.

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