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317<br />

Muita gente chega no quartel sem ter usado um calçado, sem saber escovar os<br />

<strong>de</strong>ntes, sem ter tomado um banho <strong>de</strong>centemente, sem usar um sabonete...’[Cad 4º<br />

ano] (...) ‘como a estrutura familiar brasileira não tem condições pra dar nem aquela<br />

educação mais rica pro nosso soldado, a gente tem que suprir isso...’ [Cad 4º ano]<br />

(CASTRO, 1990, p. 160).<br />

Outro, ainda, tem a plena convicção <strong>de</strong> que, na condução dos homens <strong>de</strong> sua fração,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> formado, ele <strong>de</strong>sempenhará sozinho o papel <strong>de</strong> sujeito ativo nessa relação<br />

construtiva entre saberes e po<strong>de</strong>res:<br />

‘Eu acho que eu vou fazer os meus homens do jeito que eu quero, enten<strong>de</strong>u Vou<br />

trabalhar pra fazer o melhor pelotão possível. (...) Porque o soldado alistado, no<br />

início do ano, é paisano. Então a gente tem que chegar no final do ano com uma<br />

tropa disciplinada, com atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> militar, com preparo físico e em condições <strong>de</strong><br />

cumprir as missões’ [Cad 4º ano] (CASTRO , 1990, p. 160)<br />

Todos esses <strong>de</strong>poimentos foram prestados, a partir <strong>de</strong> imagens i<strong>de</strong>alizadas quanto ao<br />

que seja a vida na tropa. Os ca<strong>de</strong>tes fizeram uma i<strong>de</strong>ia do que seja comandar um pelotão, a<br />

partir da interpretação das experiências dos seus tenentes, comandantes <strong>de</strong> pelotão e<br />

instrutores. E todos os <strong>de</strong>poimentos afirmam a condição solitária <strong>de</strong> sua futura ação <strong>de</strong><br />

comando sobre seus subordinados, <strong>de</strong>signados, algumas vezes, <strong>de</strong> maneira genérica, como<br />

“homens” ou “elementos”; outras vezes, <strong>de</strong> maneira específica, como “soldados” ou<br />

“reservistas”. Sempre cuidando <strong>de</strong> manter acerca <strong>de</strong>les a imagem <strong>de</strong> miseráveis, incivilizados,<br />

incultos e “paisanos”. Espécie <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rno “fardo do homem branco”, essa visão idílica do<br />

po<strong>de</strong>r civilizatório do oficialato – encarregado <strong>de</strong> transformar jovens supostamente à margem<br />

<strong>de</strong> uma vida <strong>de</strong> classe média urbana, em cidadãos civilizados –, dificilmente <strong>de</strong>saguaria na<br />

construção <strong>de</strong> uma relação funcional calcada na confiança mútua entre as categorias<br />

hierárquicas, geradora <strong>de</strong> coleguismo e <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> equipe.<br />

Além disso, para tornar ainda mais distante essa relação, quase utópica, <strong>de</strong><br />

coleguismo entre os “estabelecidos” e “outsi<strong>de</strong>rs”, o oficial se <strong>de</strong>para, na vida prática, ao<br />

chegar na “tropa”, com <strong>de</strong>graus hierárquicos intermediários naquela ca<strong>de</strong>ia, que ele imaginara<br />

direta, entre tenentes e recrutas. Encontra, por certo, uma <strong>de</strong>terminada disposição por parte<br />

<strong>de</strong>sses intermediários em, tanto quanto ele, ou até mais, <strong>de</strong>monstrar po<strong>de</strong>r. Essa divisão <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>res disciplinares com os cabos e muito mais com os sargentos po<strong>de</strong> ser vista por ele<br />

como uma apropriação indébita <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r que ele apren<strong>de</strong>u ser <strong>de</strong> sua posse exclusiva.<br />

Po<strong>de</strong> vir a achar, portanto, que os sargentos estariam ciosos em, a qualquer momento, tomarlhes<br />

o po<strong>de</strong>r sobre seus homens; po<strong>de</strong>r que seria exclusivamente seu, por direito.<br />

É paradoxal, portanto, que o que aquilo que o <strong>de</strong>poente chama <strong>de</strong> “ensinamentos” –

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