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zen e a arte da manutenção de motocicletas

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universo possa ser representado pelos 26 caracteres com os quais<br />

eles vêm trabalhando. Os amigos saco<strong>de</strong>m a cabeça afirmativamente,<br />

sorrindo, e comem os alimentos retirados <strong>da</strong>s latas, di<strong>zen</strong>do<br />

alegremente que não.<br />

Ele fica intrigado com o aceno afirmativo e a resposta negativa,<br />

e repete a afirmação. Novamente o gesto afirmativo e a resposta<br />

negativa. Aqui termina a lembrança, mas ele a recor<strong>da</strong> muitas vezes,<br />

assim como a <strong>da</strong> muralha.<br />

A última lembrança níti<strong>da</strong> sobre aquela região é a do interior<br />

do compartimento <strong>de</strong> um navio <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> tropas. Ele está<br />

voltando para seu país. O compartimento está vazio e abandonado.<br />

Ele está sozinho, <strong>de</strong>itado numa cama feita <strong>de</strong> lona presa a uma<br />

moldura <strong>de</strong> aço, lembrando uma re<strong>de</strong> elástica. Há cinco <strong>de</strong>ssas<br />

camas em ca<strong>da</strong> coluna, coluna após coluna, ocupando todo o compartimento,<br />

agora vazio.<br />

Este é o compartimento dianteiro do navio, e as lonas <strong>da</strong>s outras<br />

re<strong>de</strong>s levantam-se e caem, acompanhando as ânsias <strong>de</strong> vômito<br />

que castigam Fedro. Ele olha para tudo e ouve o estrondo <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s<br />

contra as chapas <strong>de</strong> metal que o cercam, percebendo que, afora<br />

estes sinais, na<strong>da</strong> indica que todo o compartimento primeiro sobe e<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>spenca, on<strong>da</strong> após on<strong>da</strong>. Ele fica a imaginar se não seria<br />

isso o que está dificultando a sua concentração na leitura, mas<br />

logo nota que não é: é que o livro é muito difícil. É um texto sobre<br />

filosofia oriental, o livro mais difícil que ele já leu na vi<strong>da</strong>. Sente-se<br />

feliz por estar só e entediado nesse compartimento <strong>de</strong> tropas, pois<br />

<strong>de</strong> outro modo ele jamais conseguiria se <strong>de</strong>dicar àquela leitura.<br />

O livro afirma que há na existência humana um componente<br />

teórico essencialmente oci<strong>de</strong>ntal (que correspon<strong>de</strong>ria ao passado <strong>de</strong><br />

laboratório <strong>de</strong> Fedro) e um componente estético, que se percebe <strong>de</strong><br />

maneira mais forte no Oriente (que se relacionava ao passado coreano<br />

<strong>de</strong> Fedro), e esses componentes pareciam jamais se encontrar.<br />

Os termos “teórico” e “estético” correspon<strong>de</strong>m ao que Fedro mais<br />

tar<strong>de</strong> chamou <strong>de</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s clássica e romântica <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e<br />

provavelmente influenciaram a criação <strong>de</strong>stes termos muito mais<br />

do que Fedro po<strong>de</strong>ria imaginar. A diferença é que a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> clássica<br />

é essencialmente teórica, embora tenha uma estética própria,<br />

e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> romântica é essencialmente estética, embora tenha<br />

uma teoria própria. A divisão em teórico e estético ocorre <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

ca<strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>. A divisão em clássico e romântico ocorre entre<br />

mundos separados. O livro <strong>de</strong> filosofia, chamado O encontro do<br />

Oci<strong>de</strong>nte com o Oriente, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> F.S.C. Northrop, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a<br />

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