19.04.2013 Views

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Ela assentiu, obedientemente, e saiu. Mas pouco antes <strong>da</strong><br />

próxima aula, voltou completamente <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>, <strong>de</strong>sfeita em lágrimas,<br />

num <strong>de</strong>sespero que obviamente já ocultava há muito tempo.<br />

Não conseguira escrever uma única linha, e não entendia por<br />

que, se não conseguia escrever na<strong>da</strong> sobre a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Bozeman,<br />

seria capaz <strong>de</strong> escrever algo sobre uma rua só. Ele ficou furioso.<br />

─ Você não está olhando para as coisas!<br />

Lembrou-se, então, que fora expulso <strong>da</strong> universi<strong>da</strong><strong>de</strong> por ter<br />

coisas <strong>de</strong>mais a dizer. Para ca<strong>da</strong> fato há uma infini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> hipóteses.<br />

Quanto mais se olha, mais se vê. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, ela não estava<br />

olhando para na<strong>da</strong>, e não conseguia enten<strong>de</strong>r isso.<br />

Então ele or<strong>de</strong>nou-lhe, irritado:<br />

─ Limite-se a <strong>de</strong>screver a facha<strong>da</strong> <strong>de</strong> um edifício <strong>da</strong> rua principal<br />

<strong>de</strong> Bozeman. O Teatro Lírico. Comece a partir do primeiro<br />

tijolo à esquer<strong>da</strong>, <strong>de</strong> cima para baixo.<br />

Os olhos <strong>de</strong>la se arregalaram por trás <strong>da</strong>s grossas lentes.<br />

Na aula seguinte, ela apareceu com uma expressão intriga<strong>da</strong><br />

e entregou uma composição <strong>de</strong> cinco mil palavras sobre a facha<strong>da</strong><br />

do Teatro Lírico, na rua principal <strong>de</strong> Bozeman, Montana.<br />

─ Sentei-me naquela lanchonete em frente ao Teatro Lírico<br />

e comecei a escrever sobre o primeiro tijolo, <strong>de</strong>pois sobre o segundo,<br />

e lá pelo terceiro tijolo começaram a aparecer mil idéias, e eu<br />

não acabava mais <strong>de</strong> escrever. Pensaram que eu estava biruta, e<br />

começaram a me gozar. Mas está tudo aí. Eu não consigo enten<strong>de</strong>r<br />

como foi.<br />

Nem ele conseguia, mas durante longos passeios pelas ruas<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, pensando sobre aquilo, concluiu que ela, com certeza,<br />

fora vítima do mesmo bloqueio que o havia paralisado no primeiro<br />

dia <strong>de</strong> magistério. Ela estava paralisa<strong>da</strong> porque tentava repetir<br />

coisas que já escutara, exatamente como ele, que no primeiro dia<br />

<strong>de</strong> aula tentara repetir coisas que já tinha resolvido dizer. Ela não<br />

conseguia escrever sobre Bozeman porque não se lembrava <strong>de</strong> nenhum<br />

texto sobre o assunto que valesse a pena repetir. Por incrível<br />

que pareça, não percebia que podia ver as coisas <strong>de</strong> uma maneira<br />

diferente e sua, como havia escrito, sem se preocupar, acima <strong>de</strong><br />

tudo, com o que já se dissera antes. A limitação do assunto a um<br />

tijolo só <strong>de</strong>struiu o bloqueio, porque agora era óbvio que ela tinha<br />

que fazer uma observação direta e original.<br />

Ele continuou com as experiências. Numa <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> aula,<br />

fez ca<strong>da</strong> aluno <strong>de</strong>screver, durante uma hora, a p<strong>arte</strong> posterior do<br />

seu respectivo polegar. No começo <strong>da</strong> aula, todos lhe lançaram<br />

193

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!