19.04.2013 Views

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

No primeiro ano, Fedro tivera <strong>de</strong> contentar-se com esse esquema.<br />

Sentia que havia algo <strong>de</strong> errado com ele, mas que o erro<br />

não estava em aplicar a lógica à retórica. O erro estava no velho<br />

fantasma dos seus sonhos: na própria racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para ele, o<br />

problema era o mesmo que o vinha perturbando há tantos anos,<br />

sem que houvesse até então encontrado resposta. Ele simplesmente<br />

sentia que nenhum escritor jamais apren<strong>de</strong>ra a escrever seguindo<br />

aquele método quadrado, calculista, objetivo e sistemático. No<br />

entanto, aquela era a única lógica disponível, e sair fora <strong>de</strong>la significaria<br />

agir <strong>de</strong> forma irracional. Como naquela Igreja <strong>da</strong> Razão a<br />

única regra que ele tinha obrigação <strong>de</strong> cumprir era a <strong>de</strong> ser lógico,<br />

não havia remédio senão <strong>de</strong>ixar as coisas como estavam.<br />

Alguns dias <strong>de</strong>pois, quando passava novamente, Sarah parou<br />

e cumprimentou-o:<br />

─ Estou gostando <strong>de</strong> ver que você está ensinando Quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

aos seus alunos este semestre! Hoje em dia, quase ninguém mais<br />

faz isso.<br />

─ Bom, eu estou fa<strong>zen</strong>do ─ respon<strong>de</strong>u ele. ─ Não há dúvi<strong>da</strong><br />

que não abro mão disso.<br />

─ Ótimo! ─ respon<strong>de</strong>u ela, e foi saindo.<br />

Ele voltou às suas anotações, mas logo seus pensamentos<br />

foram interrompidos pela lembrança <strong>da</strong>quela observação curiosa.<br />

De que raio <strong>de</strong> coisa, afinal, ela estava falando? Quali<strong>da</strong><strong>de</strong>? Claro<br />

que ele estava ensinando Quali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quem é que não ensina? E<br />

prosseguiu com as anotações.<br />

Outro aspecto que o angustiava era a retórica normativa, já<br />

ultrapassa<strong>da</strong> para todos os efeitos, mas que na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ain<strong>da</strong> era<br />

possível sentir. Aquela história <strong>de</strong> passar pito no aluno porque ele<br />

erra to<strong>da</strong>s as referências, grafia correta, pontuação correta, gramática<br />

correta. Centenas <strong>de</strong> regras cheias <strong>de</strong> frescura, feitas para<br />

gente também fresca. É impossível lembrar essas bobagens to<strong>da</strong>s<br />

e ao mesmo tempo concentrar-se no tema sobre o qual se está<br />

tentando escrever. Eram regras <strong>de</strong> etiqueta, que provinham não <strong>de</strong><br />

um senso <strong>de</strong> bon<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>cência, humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo<br />

egoísta <strong>de</strong> aparentar fi<strong>da</strong>lguia. As <strong>da</strong>mas e os cavalheiros tinham<br />

boas maneiras à mesa, falavam e escreviam corretamente. Era isso<br />

que i<strong>de</strong>ntificava as pessoas <strong>de</strong> classe alta.<br />

Em Montana, porém, o efeito era completamente oposto.<br />

Quem agia assim era logo classificado como um nova-iorquino metido<br />

a besta. No <strong>de</strong>partamento, <strong>da</strong>va-se muito pouca ênfase à retórica<br />

normativa, mas Fedro, assim como os outros professores,<br />

183

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!