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zen e a arte da manutenção de motocicletas

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dindo-o.<br />

Ele não respon<strong>de</strong>. Olho em volta para ver se não há mais<br />

na<strong>da</strong> para fazer, além <strong>de</strong> acordá-lo, e hesito, mas, eufórico e entusiasmado<br />

pelo ar vivo <strong>da</strong> manhã, berro:<br />

─ ACORDA!<br />

E ele senta-se <strong>de</strong> repente, <strong>de</strong> olhos arregalados.<br />

Depois, na medi<strong>da</strong> do possível, reproduzo a Quadra inicial<br />

dos Rubáiyát, <strong>de</strong> Omar Khayyám. Aquele penhasco acima <strong>de</strong> nós<br />

faz lembrar um rochedo solitário <strong>da</strong> Pérsia. Mas Chris não sabe <strong>de</strong><br />

que diabo estou falando. Ele ergue os olhos para ver o cume do penhasco,<br />

e <strong>de</strong>pois fica ali sentado, me espiando com os olhos apertados.<br />

A gente tem que estar disposto para agüentar <strong>de</strong>clamação<br />

ruim <strong>de</strong> poesia. Principalmente esta.<br />

Logo retomamos a estra<strong>da</strong> coleante e cheia <strong>de</strong> voltas. Descemos<br />

freando, até uma imensa garganta cujas pare<strong>de</strong>s sustentam<br />

altos penhascos <strong>de</strong> rocha branca. O vento está gelado. Passamos<br />

por um trecho ensolarado, on<strong>de</strong> o calor parece atravessar meu suéter<br />

e o blusão, mas logo penetramos outra vez nas sombras <strong>da</strong><br />

garganta, on<strong>de</strong> o vento continua a nos congelar. Este ar seco do<br />

<strong>de</strong>serto não conserva o calor. Meus lábios, expostos ao vento, ficam<br />

secos e gretados.<br />

Mais adiante cruzamos uma represa e saímos <strong>da</strong> garganta,<br />

entrando numa chapa<strong>da</strong> semi<strong>de</strong>sértica. Agora estamos no estado<br />

<strong>de</strong> Oregon. A estra<strong>da</strong> serpeia através <strong>de</strong> uma paisagem que me<br />

lembra o norte <strong>de</strong> Rajasthan, na Índia, on<strong>de</strong> ain<strong>da</strong> não é <strong>de</strong>serto,<br />

cheia <strong>de</strong> pinhões, zimbros e capim, mas on<strong>de</strong> também não há agricultura,<br />

a não ser nos barrancos e vales on<strong>de</strong> se encontra alguma<br />

reserva <strong>de</strong> água.<br />

Aquelas Quadras malucas do Rubáiyát ficam retumbando na<br />

minha cabeça:<br />

...Algo, algo disperso ao longo <strong>da</strong>s pastagens,<br />

Limite exato entre os cultivos e o <strong>de</strong>serto,<br />

On<strong>de</strong> se igualam o escravo e o sultão<br />

E o po<strong>de</strong>rio <strong>de</strong> Mahmud é sempre incerto...<br />

Aquilo evoca um vislumbre <strong>da</strong>s ruínas <strong>de</strong> um antigo palácio<br />

mongol próximo ao <strong>de</strong>serto, on<strong>de</strong> ele, com o rabo do olho, viu uma<br />

roseira silvestre...<br />

“E este mês estival que traz a Rosa, agora...” Como era mesmo?<br />

Não sei. Eu nem gosto <strong>de</strong>sse poema. Percebo que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início<br />

<strong>de</strong>sta viagem e, principalmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que chegamos a Bozeman,<br />

essas lembranças se tornam ca<strong>da</strong> vez menos p<strong>arte</strong> <strong>da</strong> memória<br />

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