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zen e a arte da manutenção de motocicletas

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sul, e eu mando encher o tanque na esquina. Depois, exausto, sento-me<br />

no meio-fio amarelo, os pés pousados no cascalho, vendo<br />

os últimos raios do sol fulgurarem através dos ramos <strong>da</strong>s árvores.<br />

Chris aproxima-se e senta-se também. Ficamos em silêncio. Esta é<br />

a pior <strong>de</strong>pressão que eu já tive. To<strong>da</strong> essa conversa sobre cila<strong>da</strong>s,<br />

e eu mesmo acabo caindo em uma. Talvez seja o cansaço. Nós precisamos<br />

dormir um pouco.<br />

Vejo os carros passarem por alguns instantes. Eles têm um<br />

quê <strong>de</strong> solitário. Solitário, não, coisa pior. De nulo. Como a expressão<br />

do empregado do posto <strong>de</strong> gasolina ao encher o tanque. Na<strong>da</strong>.<br />

Estamos num meio-fio nulo, junto a um cascalho nulo, num cruzamento<br />

nulo, sem ter para on<strong>de</strong> ir.<br />

Também sinto alguma coisa em relação aos motoristas. Eles<br />

são iguaiszinhos ao empregado do posto, têm olhos fixos à sua<br />

frente, embevecidos por algum <strong>de</strong>lírio particular. Eu não vejo isso<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que... <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Sylvia percebeu essas expressões no primeiro<br />

dia. Parece que eles estão seguindo um cortejo fúnebre.<br />

De vez em quando, alguém nos lança um rápido olhar, e <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong>svia a vista, como se pensasse na sua própria vi<strong>da</strong>, como<br />

se se envergonhasse <strong>de</strong> que tivéssemos notado que ele estava nos<br />

olhando. Agora eu entendo por que nos afastamos tanto disso, por<br />

tanto tempo. Também é diferente dirigir por aqui. Os carros parecem<br />

<strong>de</strong>slocar-se a uma veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> máxima constante própria para<br />

circular no perímetro urbano, como se quisessem chegar a algum<br />

lugar, como se o que estivesse aqui agora fosse apenas algo a ser<br />

ultrapassado. Os motoristas parecem estar pensando mais no lugar<br />

para on<strong>de</strong> querem ir do que no lugar on<strong>de</strong> estão.<br />

Eu sei por quê! É que chegamos à Costa Oeste! Somos estranhos<br />

outra vez! Puxa, eu me esqueci <strong>da</strong> pior <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as cila<strong>da</strong>s<br />

para o brio. O cortejo fúnebre! Aquele em que todos entram, esse<br />

estilo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> que pensa ter dominado o mundo, tenso, supermo<strong>de</strong>rno,<br />

individualista e egoísta. Nós estivemos afastados <strong>de</strong>le durante<br />

tanto tempo, que eu havia até esquecido <strong>de</strong> como era.<br />

Entramos na corrente <strong>de</strong> tráfego rumo ao sul e eu sinto o perigo<br />

<strong>da</strong> agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que me ro<strong>de</strong>ia. Pelo espelho vejo que há um<br />

cretino colado na minha traseira, que não resolve me ultrapassar.<br />

Aumento a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> para cem por hora, e ele gru<strong>da</strong>do em mim.<br />

Para me livrar, acelero até os cento e cinqüenta. Eu, hein? Que é<br />

isso?<br />

Paramos em Bent para jantar, num restaurante mo<strong>de</strong>rno,<br />

on<strong>de</strong> as pessoas também chegam e saem sem olhar umas para as<br />

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