19.04.2013 Views

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Amargurado, com o olhar baixo, Chris veste os agasalhos.<br />

Depois montamos na moto e continuamos <strong>de</strong>scendo a estra<strong>da</strong>.<br />

Eu po<strong>de</strong>ria imitar o pai que ele quer ter, mas inconscientemente,<br />

ao nível <strong>da</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ele percebe que não é o seu ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro<br />

pai que está ali. Em to<strong>da</strong> essa história <strong>de</strong> chautauqua há mais<br />

do que uma certa hipocrisia. Estou o tempo todo aconselhando que<br />

se evite a duali<strong>da</strong><strong>de</strong> sujeito-objeto e, no entanto, a maior <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s<br />

as duali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a duali<strong>da</strong><strong>de</strong> entre mim e ele, ain<strong>da</strong> não foi enfrenta<strong>da</strong>.<br />

Uma mente dividi<strong>da</strong> contra si mesma.<br />

Mas quem terá feito isso? Eu é que não fui. E não há modo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sfazê-lo... Será que o fundo do oceano fica muito longe?<br />

Sou um herege que se retratou e que, aos olhos dos outros,<br />

salvou a alma. Aos olhos <strong>de</strong> todos, menos <strong>de</strong> uma pessoa, que sabe<br />

que no fundo eu salvei apenas a pele.<br />

Sobrevivo principalmente agra<strong>da</strong>ndo aos outros. Fazemos<br />

isso para ficar em paz. Para nos livrarmos, son<strong>da</strong>mos o que os outros<br />

querem que a gente diga, dizemos aquilo com a maior habili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> possíveis e, se eles se convencerem, <strong>de</strong>ixam-nos<br />

sossegados. Se eu não tivesse falado nele, ain<strong>da</strong> estaria ali, mas ele<br />

foi fiel ao que acreditava até o fim. Essa é a diferença entre nós.<br />

Chris sabe disso. É por essa razão que às vezes acho que ele é real<br />

e eu sou o fantasma.<br />

Estamos agora no litoral do con<strong>da</strong>do <strong>de</strong> Mendocino, uma<br />

costa selvagem, bela e ampla. Os morros são quase inteiramente<br />

cobertos <strong>de</strong> capim, mas a sotavento <strong>da</strong>s rochas e dobras crescem<br />

estranhos arbustos, mo<strong>de</strong>lados pelos ventos marítimos ascen<strong>de</strong>ntes.<br />

Passamos por algumas cercas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, par<strong>da</strong>centas <strong>de</strong>vido<br />

às intempéries. Ao longe vê-se uma casa <strong>de</strong> fa<strong>zen</strong><strong>da</strong>, velha e <strong>de</strong>sgasta<strong>da</strong>.<br />

Como é possível cultivar aqui? A cerca está quebra<strong>da</strong> em<br />

vários pontos. Que tristeza.<br />

Paramos para <strong>de</strong>scansar num ponto on<strong>de</strong> a estra<strong>da</strong> <strong>de</strong>spenca<br />

dos altos penhascos em direção à praia. Quando eu <strong>de</strong>sligo a<br />

máquina, Chris pergunta:<br />

─ Por que estamos parando?<br />

─ Eu estou cansado.<br />

─ Pois eu, não. Vamos em frente. ─ Ele ain<strong>da</strong> está zangado,<br />

mas eu também estou.<br />

─ Então vai até a praia e fica lá correndo em círculos, enquanto<br />

eu durmo.<br />

─ Vamos continuar ─ insiste ele, mas eu me afasto, fingindo<br />

397

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!