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zen e a arte da manutenção de motocicletas

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“por quê”, explicitando-se os princípios que levaram a essa <strong>de</strong>termina<strong>da</strong><br />

disposição <strong>da</strong>s p<strong>arte</strong>s. Meu propósito, porém, não é fazer<br />

uma análise completa <strong>da</strong> motocicleta. É fornecer um ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong>,<br />

um exemplo <strong>de</strong> uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão do mundo<br />

que se tornará, por sua vez, um objeto <strong>de</strong> análise.<br />

Certamente, não se perceberá a princípio na<strong>da</strong> <strong>de</strong> errado<br />

nessa <strong>de</strong>scrição. Parece ter saído <strong>de</strong> algum manual básico sobre<br />

o assunto, ou <strong>da</strong> primeira aula <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> treinamento para<br />

profissionais. Só se percebem as peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s ao se transformar<br />

essas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> discurso num objeto <strong>de</strong> discurso. Aí se po<strong>de</strong>m<br />

observar certas coisas.<br />

A primeira coisa que po<strong>de</strong>mos observar nessa <strong>de</strong>scrição é tão<br />

óbvia que a gente vai ter que <strong>de</strong>ixá-la <strong>de</strong> lado, senão não será mais<br />

possível continuar a análise. E que é um discurso chato como o<br />

diabo. Patati patatá, patatá, patati, carburador, relação <strong>de</strong> engrenagem,<br />

compressão, patati, patatá, pistão, velas, admissão, patatá,<br />

patati, etc. e tal. É a face romântica <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> clássica. Chata,<br />

feia e complica<strong>da</strong>. Poucos são os românticos que passam disso.<br />

Mas se pu<strong>de</strong>rmos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado esse aspecto mais óbvio,<br />

perceberemos outras coisas, antes invisíveis.<br />

Em primeiro lugar, a motocicleta assim <strong>de</strong>scrita é quase impossível<br />

<strong>de</strong> ser compreendi<strong>da</strong>, a menos que já se conheça o seu<br />

funcionamento. As impressões superficiais imediatas, essenciais<br />

para o entendimento inicial, são elimina<strong>da</strong>s. Só resta a forma subjacente.<br />

Em segundo lugar, não há observador. A <strong>de</strong>scrição não diz<br />

que para ver o pistão é necessário retirar a cabeça do cilindro.<br />

“Você” não está incluído na <strong>de</strong>scrição. Até o “operador” é uma espécie<br />

<strong>de</strong> robô <strong>de</strong>spersonalizado, que <strong>de</strong>sempenha uma função <strong>da</strong> máquina<br />

<strong>de</strong> maneira completamente mecânica. Nessa <strong>de</strong>scrição não<br />

há sujeitos reais. Apenas objetos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do observador.<br />

Em terceiro lugar, vem a ausência total <strong>de</strong> palavras como<br />

bom, mau e seus sinônimos. Em p<strong>arte</strong> alguma se expressa julgamentos<br />

<strong>de</strong> valor ─ expressa-se exclusivamente fatos.<br />

Em quarto lugar, há uma faca atuando nessa <strong>de</strong>scrição. Uma<br />

faca moral, um bisturi intelectual tão rápido e afiado que às vezes<br />

não se po<strong>de</strong> vê-lo agir. Parece que to<strong>da</strong>s essas peças estão ali, sendo<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>da</strong>s <strong>de</strong> acordo com sua existência. Mas elas po<strong>de</strong>m<br />

receber nomes completamente diferentes, <strong>de</strong> acordo com os cortes<br />

que a faca fizer.<br />

Por exemplo, o mecanismo <strong>de</strong> realimentação, que inclui o<br />

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