19.04.2013 Views

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

mos embora. Ficamos ali, naquele sol <strong>de</strong> 39 graus, falando com<br />

aquele homem. É um fa<strong>zen</strong><strong>de</strong>iro aposentado, diz que essas terras<br />

se prestam muito à criação <strong>de</strong> gado, e que ele, há uns anos atrás,<br />

tinha uma motocicleta Hen<strong>de</strong>rson. Agra<strong>da</strong>-me saber que quer falar<br />

sobre a sua Hen<strong>de</strong>rson <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>ste sol escal<strong>da</strong>nte. Conversamos<br />

um pouco sobre ela, enquanto John, Sylvia e Chris ficam ca<strong>da</strong><br />

vez mais impacientes. Quando nos <strong>de</strong>spedimos, por fim, continua<br />

sem mostrar qualquer expressão, mas sentimos que foi sincero. Ele<br />

se afasta, com uma espécie <strong>de</strong> vagarosa digni<strong>da</strong><strong>de</strong>, sob aquele sol<br />

abrasador.<br />

No restaurante, tento tecer comentários sobre o episódio,<br />

mas ninguém se interessa. John e Sylvia parecem nem estar presentes.<br />

Ficam sentados, absorvendo o ar condicionado sem mover<br />

um <strong>de</strong>do. A garçonete chega para anotar os pedidos, o que os acor<strong>da</strong><br />

por um momento, mas como eles ain<strong>da</strong> não <strong>de</strong>cidiram o que<br />

pedir, ela se afasta.<br />

─ Acho que não quero sair mais <strong>da</strong>qui ─ confessa Sylvia.<br />

Volta-me à cabeça a imagem do velho <strong>de</strong> chapéu <strong>de</strong> abas<br />

largas.<br />

─ Imagine só como era isto aqui antes do ar condicionado.<br />

─ Estou imaginando.<br />

─ Com as estra<strong>da</strong>s quentes <strong>de</strong>sse jeito e esse meu pneu careca,<br />

a gente não <strong>de</strong>ve an<strong>da</strong>r a mais <strong>de</strong> 95 por hora ─ eu digo.<br />

Eles não respon<strong>de</strong>m.<br />

Chris, porém, parece ter recobrado sua disposição normal.<br />

Está alerta, <strong>de</strong> olho em tudo. Assim que a comi<strong>da</strong> chega, cai em<br />

cima do prato, e, antes que possamos terminar, já está pedindo<br />

mais. Faço novo pedido, e esperamos que Chris acabe <strong>de</strong> comer.<br />

Quilômetros <strong>de</strong>pois, o calor continua implacável. Para esse<br />

reflexo nem os óculos escuros, nem os protetores bastam. Seria<br />

necessária uma máscara <strong>de</strong> sol<strong>da</strong>dor.<br />

As Altas Planícies fragmentam-se, e surgem morros <strong>de</strong>sbotados<br />

e <strong>de</strong>sbarrancados. Tudo está <strong>de</strong> um vivo castanho esbranquiçado.<br />

Não se vê sequer uma folha <strong>de</strong> capim. Só hastes <strong>de</strong> plantas,<br />

pedras e areia. É um alívio olhar para o preto do asfalto, e por isso<br />

eu fixo a vista nele, observando como aquele borrão passa zunindo<br />

sob meus pés. Ao olhar para o lado, constato que o cano <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarga<br />

<strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> adquiriu um tom <strong>de</strong> azul mais forte do que nunca.<br />

Cuspo na ponta dos <strong>de</strong>dos enluvados e, ao tocar o cano, noto que<br />

está fervendo. Mau sinal.<br />

Agora, é importante tentar aceitar as circunstâncias, sem lu-<br />

82

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!