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zen e a arte da manutenção de motocicletas

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estivesse morto há mais <strong>de</strong> dois mil anos, era que ele era o protótipo<br />

dos vários milhões <strong>de</strong> professores, presunçosos e realmente ignorantes<br />

que, através <strong>da</strong> história, haviam <strong>de</strong>struído, com empáfia e<br />

insensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, o espírito criativo <strong>de</strong> seus alunos com aquele ritual<br />

ridículo <strong>de</strong> análise, essa eterna rotulação cega e rotineira <strong>da</strong>s coisas.<br />

Se você entrar em uma <strong>da</strong>s centenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> salas <strong>de</strong><br />

aula <strong>de</strong> hoje e ouvir os professores fazerem divisões, subdivisões,<br />

estabelecerem relações e princípios e estu<strong>da</strong>rem “métodos”, será o<br />

mesmo que escutar o fantasma <strong>de</strong> Aristóteles, que fala através dos<br />

séculos ─ a voz analítica <strong>da</strong> razão dualista.<br />

As aulas sobre Aristóteles eram <strong>da</strong><strong>da</strong>s numa enorme mesa<br />

redon<strong>da</strong>, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, numa sala sombria que <strong>da</strong>va para um hospital;<br />

o sol <strong>da</strong> tar<strong>de</strong>, vindo do telhado do hospital, mal conseguia<br />

atravessar a sujeira <strong>da</strong> janela e o ar poluído <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> lá fora. Um<br />

ambiente doentio, pálido e <strong>de</strong>primente. Lá pelo meio <strong>da</strong> aula, ele<br />

notou que na mesa havia uma enorme rachadura, que a atravessava<br />

quase na meta<strong>de</strong>. Parecia já estar ali há muitos anos, sem que<br />

ninguém pensasse em consertar a mesa. Na certa, eles estavam<br />

preocupados com coisas mais importantes. No fim <strong>da</strong> aula, ele perguntou,<br />

afinal:<br />

─ Posso fazer algumas perguntas sobre a retórica <strong>de</strong> Aristóteles?<br />

─ Se tiver lido os textos ─ foi a resposta. Ele percebeu que os<br />

olhos do professor <strong>de</strong> filosofia se endureceram <strong>da</strong> mesma maneira<br />

que no dia <strong>da</strong> matrícula. Deduziu que era melhor ler os textos com<br />

o maior cui<strong>da</strong>do, e foi o que fez.<br />

A chuva está ficando mais forte, e paramos para a<strong>da</strong>ptar o<br />

visor ao capacete. Depois prosseguimos, numa veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> regular.<br />

Presto atenção às crateras, à areia e às manchas <strong>de</strong> óleo na estra<strong>da</strong>.<br />

Na semana seguinte, Fedro veio à aula com os textos lidos,<br />

preparado para refutar a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> que a retórica é uma <strong>arte</strong><br />

porque po<strong>de</strong> ser reduzi<strong>da</strong> a um sistema racional estruturado. Por<br />

esse critério, a General Motors produz <strong>arte</strong> pura, e Picasso, não.<br />

Se existissem significados mais profundos e invisíveis para estas<br />

palavras <strong>de</strong> Aristóteles, este seria um lugar tão bom como qualquer<br />

outro para apresentá-los.<br />

Mas a pergunta não foi feita. Fedro levantou o braço para<br />

fazê-la, notou um lampejo instantâneo <strong>de</strong> rancor nos olhos do pro-<br />

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