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zen e a arte da manutenção de motocicletas

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Acredito que, quando esta idéia <strong>da</strong> paz <strong>de</strong> espírito for introduzi<strong>da</strong><br />

e transforma<strong>da</strong> no componente central do trabalho técnico,<br />

po<strong>de</strong>rá ocorrer a fusão <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> romântica com a clássica num<br />

nível básico, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto prático <strong>de</strong> trabalho. Eu disse<br />

que se po<strong>de</strong> até ver essa fusão no trabalho <strong>de</strong> certos mecânicos habilidosos.<br />

Quem disser que eles não são artistas, não compreen<strong>de</strong><br />

a natureza <strong>da</strong> <strong>arte</strong>. Eles têm paciência, cui<strong>da</strong>do e atenção com o<br />

que estão fa<strong>zen</strong>do, mas, acima <strong>de</strong> tudo, estabelecem uma espécie<br />

<strong>de</strong> harmonia com o trabalho, na qual não há lí<strong>de</strong>r nem seguidor. O<br />

material e os pensamentos do <strong>arte</strong>são transformam-se, ao mesmo<br />

tempo, numa sucessão <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças suaves e constantes, até que<br />

a mente se <strong>de</strong>scontrai exatamente no momento em que o trabalho<br />

está terminado.<br />

Nós todos já passamos por esses momentos, ao fazermos algo<br />

que realmente queremos fazer. Só que, <strong>de</strong> algum modo, introduzimos<br />

uma separação infeliz entre eles e o trabalho. O mecânico ao<br />

qual estou me referindo não faz essa separação. As pessoas dizem<br />

que ele ‘se interessa” por aquilo que faz, que está “envolvido” no seu<br />

trabalho. Tal envolvimento se produz, no limpa-trilhos <strong>da</strong> consciência,<br />

por uma ausência <strong>de</strong> qualquer senso <strong>de</strong> separação entre<br />

sujeito e objeto. “Ter jeito”, “ter que<strong>da</strong>”, “se amarrar” são expressões<br />

idiomáticas que traduzem essa ausência <strong>de</strong> duali<strong>da</strong><strong>de</strong> sujeitoobjeto,<br />

porque o que eu estou explicando é tão conhecido como o<br />

folclore, o senso comum, a filosofia cotidiana <strong>de</strong> oficina. Mas no<br />

jargão científico, raras são as palavras que <strong>de</strong>signam essa ausência<br />

<strong>de</strong> duali<strong>da</strong><strong>de</strong>, porque as mentes científicas não se permitem tomar<br />

consciência <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> entendimento, em virtu<strong>de</strong> do pressuposto<br />

colocado pela perspectiva científica dualista formal.<br />

Entre os Zen-budistas, existe o que se chama “ficar apenas<br />

sentado”, uma prática <strong>de</strong> meditação em que a idéia <strong>de</strong> uma duali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

entre o eu e o objeto não domina a consciência do praticante.<br />

Com relação à <strong>manutenção</strong> <strong>de</strong> <strong>motocicletas</strong>, eu me refiro à prática<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> “ficar apenas consertando”, na qual a idéia <strong>de</strong> duali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

não domina nossa consciência. Quando não nos <strong>de</strong>ixamos<br />

dominar pela sensação <strong>de</strong> estarmos isolados <strong>da</strong>quilo em que estamos<br />

trabalhando, então po<strong>de</strong>-se dizer que temos “cui<strong>da</strong>do” com o<br />

que estamos fa<strong>zen</strong>do. O cui<strong>da</strong>do, no fundo, é isso, uma sensação<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação com aquilo que se faz. Ao sentirmos essa i<strong>de</strong>ntificação,<br />

po<strong>de</strong>remos enxergar também a face inversa do cui<strong>da</strong>do, a<br />

Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> propriamente dita.<br />

Portanto <strong>de</strong>vemos, seja consertando uma moto, seja <strong>de</strong>sem-<br />

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