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zen e a arte da manutenção de motocicletas

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personali<strong>da</strong><strong>de</strong> for <strong>de</strong>struí<strong>da</strong>, o que restará? Carne e ossos. Talvez<br />

um conjunto <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos estatísticos, mas não uma pessoa. Os ossos,<br />

a carne e os <strong>da</strong>dos estatísticos é que revestem a personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, não<br />

o contrário.<br />

Mas, quem era a antiga personali<strong>da</strong><strong>de</strong> que eles haviam conhecido,<br />

<strong>da</strong> qual presumiam que eu fosse uma continuação?<br />

Esta foi minha primeira suspeita com relação à existência <strong>de</strong><br />

Fedro, há muitos anos atrás. Com o passar dos dias, semanas e<br />

anos, fui apren<strong>de</strong>ndo ca<strong>da</strong> vez mais sobre ele.<br />

Ele havia morrido. Fora <strong>de</strong>struído por or<strong>de</strong>m do tribunal, por<br />

meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>scargas <strong>de</strong> corrente alterna<strong>da</strong> <strong>de</strong> alta voltagem, aplica<strong>da</strong>s<br />

nos hemisférios cerebrais. Submeteram-no a 28 aplicações<br />

consecutivas <strong>de</strong> 800 miliampères, com duração <strong>de</strong> 0,5 a 1,5 segundo,<br />

processo conhecido como “aniquilação por choque eletroconvulsivo”.<br />

Uma personali<strong>da</strong><strong>de</strong> fora inteiramente <strong>de</strong>struí<strong>da</strong> sem<br />

<strong>de</strong>ixar vestígios, através <strong>de</strong> um processo impecável, que a partir <strong>de</strong><br />

então <strong>de</strong>finiu o tipo <strong>de</strong> relação entre mim e ele. Eu jamais o conheci.<br />

Nem conhecerei.<br />

E, no entanto, <strong>de</strong> quando em vez surgem estranhos fragmentos<br />

<strong>de</strong> lembranças, que se combinam e coadunam com esta estra<strong>da</strong>,<br />

os penhascos do <strong>de</strong>serto e a areia escal<strong>da</strong>nte que nos cercam, e<br />

por esta bizarra combinação sei que ele já viu tudo isto. É claro que<br />

sim. E ao perceber essas súbitas coincidências <strong>de</strong> visão, e recor<strong>da</strong>r<br />

algum estranho pensamento cuja origem <strong>de</strong>sconheço, não estou<br />

sendo clarivi<strong>de</strong>nte, nem médium espírita, que recebe mensagens<br />

do além. Eu vejo as coisas com os meus próprios olhos e também<br />

com os <strong>de</strong>le. Os meus olhos já pertenceram a ele.<br />

Estes OLHOS!!! É isso que me apavora. Estas mãos enluva<strong>da</strong>s<br />

que agora vejo, guiando a moto pela estra<strong>da</strong>, já pertenceram<br />

a ele! E se vocês pu<strong>de</strong>ram compreen<strong>de</strong>r a sensação que isso me<br />

causa, po<strong>de</strong>rão também enten<strong>de</strong>r o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro medo ─ o medo <strong>de</strong><br />

saber que não há como escapar.<br />

Entramos numa garganta rasa. Logo surge a para<strong>da</strong> <strong>de</strong> beira<br />

<strong>de</strong> estra<strong>da</strong> que eu estava esperando. Alguns bancos, um prédio<br />

pequeno e algumas arvorezinhas, com mangueiras irrigando suas<br />

raízes. Puxa vi<strong>da</strong>, o John já está do outro lado, pronto para voltar<br />

à estra<strong>da</strong>.<br />

Finjo que não veio e paro ao lado do prédio. Chris salta e<br />

colocamos a moto sobre o <strong>de</strong>scanso. O calor sobe do motor como<br />

se ele estivesse em chamas, emanando on<strong>da</strong>s que distorcem a ima-<br />

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