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zen e a arte da manutenção de motocicletas

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quer motivo pessoal. Não havia qualquer razão aparente para aquilo.<br />

Aí tentei lembrar-me <strong>da</strong>quela oficina, <strong>da</strong>quele lugar horrível,<br />

procurando diagnosticar as causas.<br />

O rádio era uma <strong>da</strong>s pistas. Ninguém po<strong>de</strong> se concentrar no<br />

que está fa<strong>zen</strong>do e ouvir rádio ao mesmo tempo. Talvez não achassem<br />

que era preciso concentração para fazer aquele trabalho; só<br />

precisavam ficar manuseando chaves. Girar chaves ouvindo rádio<br />

é bem mais agradável.<br />

A veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> do trabalho era outra pista. Eles espalhavam<br />

coisas por todos os lados porque estavam com pressa, e nem olhavam<br />

on<strong>de</strong> as estavam atirando. Agiam assim para ganhar mais,<br />

mas <strong>de</strong>viam parar para pensar que assim o serviço leva mais tempo<br />

para ser acabado ou então fica mal feito.<br />

A principal pista, porém, me pareceu ser a expressão <strong>de</strong>les.<br />

Era difícil explicar. Eram bem humorados, amigáveis, amáveis ─<br />

e neutros. Meros expectadores. Tinha-se a impressão <strong>de</strong> que estavam<br />

ali por acaso e que alguém lhes havia metido uma chave nas<br />

mãos. Não se sentiam i<strong>de</strong>ntificados com o trabalho. Não diziam:<br />

“Eu sou mecânico.” Às cinco <strong>da</strong> tar<strong>de</strong>, ou no momento em que<br />

terminassem a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> oito horas, eles paravam e não pensavam<br />

mais no serviço. Tentavam não pensar no serviço até mesmo<br />

durante o trabalho. A sua maneira, estavam fa<strong>zen</strong>do o mesmo que<br />

John e Sylvia: conviviam com a tecnologia sem realmente se envolverem<br />

com ela. Ou antes, estavam envolvidos, mas, no fundo, longe<br />

<strong>de</strong>la, ausentes, afastados. Trabalhavam com a tecnologia, mas não<br />

a ponto <strong>de</strong> se importarem com ela.<br />

Aqueles mecânicos não viram o pino <strong>de</strong>golado; mas, obviamente,<br />

fora também um mecânico que o <strong>de</strong>golara, montando a<br />

tampa lateral <strong>de</strong> maneira erra<strong>da</strong>. Lembrei-me <strong>de</strong> que o proprietário<br />

anterior havia dito que um mecânico achara a tampa difícil <strong>de</strong> ser<br />

coloca<strong>da</strong>. Era por isso. O manual <strong>da</strong> moto mencionava aquela possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

mas ele, como os outros, estava com pressa <strong>de</strong>mais, ou<br />

então não teve o necessário cui<strong>da</strong>do.<br />

Enquanto trabalhava, pensei que esse mesmo <strong>de</strong>scuido surgia<br />

nos manuais para computadores digitais que eu estava revisando.<br />

Eu escrevo e reviso manuais técnicos durante os outros onze<br />

meses do ano, e sei que eles estão repletos <strong>de</strong> erros, ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

omissões e <strong>da</strong>dos tão distorcidos que a gente tem que ler as instruções<br />

seis vezes antes <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r alguma coisa. O que pela primeira<br />

vez me chamou a atenção foi que esses manuais concor<strong>da</strong>vam<br />

com a atitu<strong>de</strong> passiva por mim presencia<strong>da</strong> na oficina. Eram ma-<br />

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