19.04.2013 Views

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

mente, ele foi o próximo a aparecer na mesa redon<strong>da</strong> racha<strong>da</strong> no<br />

meio, naquela sala sombria e obscura que <strong>da</strong>va para o hospital, no<br />

sul <strong>de</strong> Chicago.<br />

Agora estamos costeando o litoral, com frio, molhados e melancólicos.<br />

A chuva parou um pouco, mas o céu continua carregado.<br />

A certa altura, vejo uma praia, na qual passeiam algumas<br />

pessoas, caminhando pela areia molha<strong>da</strong>. Cansado, resolvo parar.<br />

Ao <strong>de</strong>scer, Chris pergunta:<br />

─ Por que é que a gente parou ?<br />

─ Eu estou cansado ─ respondo. O vento vindo do oceano é<br />

frio, e no lugar on<strong>de</strong> ele formou algumas dunas, molha<strong>da</strong>s e escuras<br />

por causa <strong>da</strong> chuva, que só agora <strong>de</strong>ve ter estiado por aqui, eu<br />

me <strong>de</strong>ito e me sinto um pouco mais aquecido.<br />

Mas não durmo. No topo <strong>de</strong> uma duna surge uma menininha,<br />

olha-me como se me convi<strong>da</strong>sse para brincar, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparece...<br />

Chris volta <strong>de</strong>ntro em pouco e pe<strong>de</strong> para ir embora. Diz que<br />

encolhiam ao serem tocados. Eu o sigo e vejo, entre o arrebentar<br />

<strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s na rocha, que são anêmonas do mar: não são plantas,<br />

são animais. Informo a ele que os tentáculos po<strong>de</strong>m paralisar peixes<br />

miúdos. A maré <strong>de</strong>ve estar bem baixa, para a gente po<strong>de</strong>r enxergar<br />

as anêmonas. Pelo canto do olho, vejo que a menininha, do<br />

outro lado <strong>da</strong>s rochas, tem nas mãos uma estrela do mar. Os pais<br />

<strong>de</strong>la também pegaram algumas.<br />

Subimos na moto e continuamos para o sul. As vezes, a chuva<br />

engrossa um pouco, e eu fecho o visor, para que ela não me atinja o<br />

rosto. Mas como não gosto <strong>de</strong> ficar assim confinado, levanto o visor<br />

logo que a chuva diminui. Devemos estar chegando a Arcata antes<br />

do anoitecer, mas não quero correr muito nessa pista molha<strong>da</strong>.<br />

Se não me engano, foi Coleridge quem disse que as pessoas<br />

po<strong>de</strong>m ser platônicas ou aristotélicas. As pessoas que não suportam<br />

as infindáveis especificações <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> Aristóteles naturalmente<br />

adoram as generalizações sublimes <strong>de</strong> Platão. Quem não<br />

agüenta o eterno i<strong>de</strong>alismo esotérico <strong>de</strong> Platão acolhe com prazer<br />

os fatos concretos <strong>de</strong> Aristóteles. Platão é aquele que busca o Bu<strong>da</strong>,<br />

que surge <strong>de</strong> tempos em tempos, através <strong>da</strong>s gerações, aquele que<br />

prossegue escalando as alturas rumo ao “Um”. Aristóteles é o eterno<br />

mecânico <strong>de</strong> <strong>motocicletas</strong>, que prefere o “múltiplo”. Neste sentido,<br />

eu mesmo sou bastante aristotélico; prefiro encontrar o Bu<strong>da</strong><br />

365

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!