19.04.2013 Views

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>de</strong> grama atrás. Um gramadinho <strong>da</strong>queles, perto <strong>de</strong> Montana, era o<br />

mesmo que na<strong>da</strong>. Se ao menos tirassem aquela sebe e aquela grama<br />

<strong>da</strong>li, tudo se tornaria mais aceitável. Agora elas servem apenas<br />

para lembrar algo que se per<strong>de</strong>u.<br />

Pelas ruas que o levam para longe do seu edifício, ele não<br />

consegue mais enxergar na<strong>da</strong> através do concreto, dos tijolos e do<br />

neon, mas sabe que ali soterra<strong>da</strong>s estão almas grotescas e tortura<strong>da</strong>s,<br />

tentando sempre imitar a Quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, para convencer-se <strong>de</strong> que<br />

a possuem, apren<strong>de</strong>ndo atitu<strong>de</strong>s esquisitas, sempre sofistica<strong>da</strong>s e<br />

charmosas, vendi<strong>da</strong>s por revistas fantásticas e por outros meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa, e pagas pelos ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> substância.<br />

Ele pensa nessas pessoas, sozinhas à noite, já sem seus sapatos,<br />

suas meias e suas roupas íntimas chiques e mo<strong>de</strong>rnas, espreitando<br />

pelas janelas empoeira<strong>da</strong>s as grotescas cascas que se <strong>de</strong>ixam<br />

entrever pelos vidros, quando os trejeitos <strong>de</strong>saparecem e a ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

surge, a única ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que aqui existe, clamando aos céus: Oh,<br />

meu Deus, aqui não há na<strong>da</strong> senão estes tijolos, este cimento e<br />

este neon. Tudo está morto.<br />

Ele começa a per<strong>de</strong>r a noção do tempo. As vezes seus pensamentos<br />

voam a uma veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> próxima à <strong>da</strong> luz. Mas, ao tentar<br />

tomar <strong>de</strong>cisões imediatas e práticas, ca<strong>da</strong> pensamento parece que<br />

leva vários minutos para brotar. Na sua mente começa a <strong>de</strong>senvolver-se<br />

uma única idéia, inspira<strong>da</strong> em algum trecho do diálogo<br />

Fedro:<br />

“E o que está bem escrito e o que está mal escrito ─ será que<br />

precisamos pedir a Lísias ou a qualquer outro orador ou poeta que<br />

já tenha escrito ou que escreverá uma obra política ou <strong>de</strong> outro<br />

tipo, com métrica ou sem, seja ele poeta ou prosador, que nos ensine<br />

a diferença?”<br />

O que é bom, Fedro, e o que não é bom ─ será preciso pedir a<br />

alguém que nos ensine isso?<br />

Foi o que ele disse meses antes numa sala <strong>de</strong> aula em Montana,<br />

uma mensagem que Platão e todos os dialéticos posteriores<br />

omitiram, por procurarem apenas <strong>de</strong>finir o Bem em termos <strong>de</strong> sua<br />

relação intelectual com as coisas. Agora ele me<strong>de</strong> o progresso que<br />

fez a partir <strong>de</strong>sse ponto e constata que andou cometendo os mesmos<br />

erros. Seu objetivo original era manter a Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> in<strong>de</strong>finível,<br />

mas, ao bater-se contra os dialéticos, ele havia feito <strong>de</strong>clarações,<br />

e ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>clarações era um tijolo no muro que ele estava<br />

construindo em torno <strong>da</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Qualquer tentativa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolver um raciocínio sistemático em torno <strong>de</strong> uma Quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

390

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!