19.04.2013 Views

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

zen e a arte da manutenção de motocicletas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Só que eu tomei essa <strong>de</strong>cisão cedo <strong>de</strong>mais. Ain<strong>da</strong> há na minha<br />

voz resquícios <strong>de</strong> raiva e <strong>de</strong>sagrado, e ele, ao percebê-lo, fica<br />

envergonhado. Irrita-se, mas não diz na<strong>da</strong>, com medo <strong>de</strong> ter que<br />

carregar a mochila outra vez. Só franze a testa e finge que não me<br />

vê enquanto eu carrego as mochilas. Eu me livro do rancor <strong>de</strong> ter<br />

que fazer isso ao notar que, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, não estou tendo mais trabalho<br />

do que se as coisas fossem diferentes. Dá mais trabalho para<br />

alcançar o topo <strong>da</strong> montanha, mas esse não é o objetivo principal.<br />

Em termos <strong>de</strong> objetivo real, ou seja, aproveitar bem os minutos, um<br />

após o outro, dá tudo no mesmo; aliás, assim é até melhor. Subimos<br />

<strong>de</strong>vagar, e a raiva <strong>de</strong>saparece.<br />

Durante a hora seguinte, escalamos vagarosamente, eu levando<br />

as mochilas uma <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> vez, até <strong>de</strong>scobrir a fonte <strong>de</strong> um<br />

córrego. Mando Chris <strong>de</strong>scer para apanhar água numa panela, e<br />

ele obe<strong>de</strong>ce. Ao voltar, pergunta:<br />

─ Por que é que a gente parou aqui? Vamos continuar!<br />

─ É que a gente é capaz <strong>de</strong> levar muito tempo para encontrar<br />

outro córrego, Chris; e além disso, estou cansado.<br />

─ Por que é que você está tão cansado?<br />

Se ele preten<strong>de</strong> me provocar, está conseguindo.<br />

─ Estou cansado, Chris, porque estou carregando as duas<br />

mochilas. Se você estiver com pressa, po<strong>de</strong> pegar a sua e subir na<br />

frente, que eu logo alcanço você.<br />

Ele me olha com outro lampejo <strong>de</strong> medo, <strong>de</strong>pois senta-se.<br />

Eu não estou gostando disto ─ diz ele, quase chorando. ─<br />

Estou <strong>de</strong>testando! Estou arrependido <strong>de</strong> ter vindo. Por que é que a<br />

gente veio para cá? ─ E abre o maior berreiro.<br />

─ Você também está fa<strong>zen</strong>do eu me arrepen<strong>de</strong>r. É melhor a<br />

gente almoçar.<br />

─ Eu não quero na<strong>da</strong>. Estou com dor <strong>de</strong> barriga.<br />

─ Como queira.<br />

Ele se afasta um pouco, arranca um talo <strong>de</strong> capim e fica mor<strong>de</strong>ndo.<br />

Depois cobre o rosto com as mãos. Sirvo meu almoço e tiro<br />

uma pestana.<br />

Ao acor<strong>da</strong>r, vejo que ele ain<strong>da</strong> está chorando. Não po<strong>de</strong>mos<br />

ir a nenhum lugar. Não po<strong>de</strong>mos fazer na<strong>da</strong>, a não ser enfrentar a<br />

situação. Só que eu não sei bem que situação é essa.<br />

─ Chris ─ chamo eu, afinal. Não há resposta.<br />

─ Chris ─ repito.<br />

Ele se recusa a respon<strong>de</strong>r. Mas afinal exclama, em tom <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>safio:<br />

222

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!