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REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA

Reforma-política-BAIXA

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214 Reforma política democrática<br />

Há um segundo tipo de consequência, mais sutil provocado pelo “direito<br />

individual” de abster-se. Alienação eleitoral não é um fenômeno randomicamente<br />

distribuído no eleitorado de países com voto facultativo. Nos Estados<br />

Unidos, país com elevadas taxas de abstenção, já se observou que o não comparecimento<br />

é maior entre os mais pobres, negros e minorias. Talvez aqui<br />

resida uma pista para compreender-se a dimensão residual de políticas sociais<br />

naquele país. Se os pobres não votam e o eleitor mediano é um wasp (branco,<br />

anglo-saxão e protestante), quais os incentivos para governos e legisladores em<br />

propor legislação que introduza redistribuição de renda? A relação negativa<br />

entre desigualdade e participação eleitoral sob voto facultativo fica ainda clara<br />

quando deslocamos nossa atenção para os países escandinavos. Aqui, em contextos<br />

de baixa desigualdade social, a série de abstenção eleitoral mostra taxas<br />

que não ultrapassam 10% do eleitorado.<br />

Há mais um efeito perverso gerado pelo voto facultativo, que pode ser<br />

identificado em casos recentes da política norte-americana, francesa ou israelense.<br />

Como a parcela do eleitorado disposta a comparecer à seção eleitoral<br />

corresponde a indivíduos mais radicalizados, candidatos têm incentivos para<br />

apelos intransigentes e extremados. O episódio do impasse orçamentário,<br />

quando a maioria republicana não aceitou nenhuma negociação, ameaçando<br />

paralisar a administração federal norte-americana, remete em última instância<br />

ao voto facultativo. Os eleitores responsáveis por eleger os deputados<br />

republicanos eram uma minoria radicalizada de ultraconservadores que, não<br />

podendo eliminar fisicamente o presidente Obama, não apoiariam nada menos<br />

do que seu extermínio político. Sabendo que, aos olhos de suas bases<br />

intransigentes, qualquer negociação seria vista como capitulação, deputados<br />

republicanos esforçaram-se para ser mais radicais que seus próprios eleitores,<br />

em uma espiral de retroalimentação. O deslocamento do centro gravitacional<br />

para a direita, a partir de um eleitorado xenófobo, na França, ou de imigrantes<br />

e colonos, em Israel, pode ser interpretado a partir dessa mesma chave.<br />

Não deve passar desapercebido ao leitor a presença de genes ultraliberais<br />

no DNA do argumento em favor do voto facultativo. O sonho de uma comunidade<br />

política restrita aos “diligentes e racionais” sempre povoou a imaginação<br />

do liberalismo aristocrático. Mesmo após a introdução do sufrágio<br />

universal (masculino em 1918 e feminino em 1928), somente em 1945 a

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