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Cartas do CárCere - Estaleiro Editora

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vesse si<strong>do</strong> sincero, teria dito que a minha mais viva aspiraçom<br />

era a de converter-me em porteiro de um tribunal. Por que?<br />

Porque naquele ano vinhera à minha aldeia como porteiro de<br />

tribunal um senhor maior que tinha um cadelinho negro simpatiquíssimo,<br />

enfeita<strong>do</strong> sempre com um lacinho vermelho na<br />

cola, gualdrapinha no lombo, colar enverniza<strong>do</strong> e arreios na<br />

cabeça. eu mesmo nom conseguia separar a imagem <strong>do</strong> cadelinho<br />

da <strong>do</strong> seu proprietário e da sua profissom. e porém renunciei,<br />

com muito pesar, a embalar-me nesta perspetiva que<br />

tanto me seduzia. era de umha lógica formidável e de umha<br />

integridade moral, capaz de fazer corar os mais grandes heróis<br />

<strong>do</strong> dever. sim, considerava-me indigno de converter-me em<br />

porteiro <strong>do</strong> tribunal e ter portanto cadelinhos tam maravilhosos:<br />

nom sabia de cor os 84 artigos <strong>do</strong> estatuto <strong>do</strong> reino!<br />

assim mesmo. Figera a segunda classe elementar (primeira<br />

revelaçom das virtudes cívicas <strong>do</strong> arrieiro!) e pensara fazer no<br />

mês de novembro os exames de isençom, para passar à quarta<br />

saltan<strong>do</strong> a terceira classe: estava convenci<strong>do</strong> de ser capaz de<br />

muito, mas quan<strong>do</strong> me apresentei diante <strong>do</strong> diretor didático<br />

para lhe apresentar a petiçom protocolar, sentim que me fazia<br />

a queima-roupa a pergunta: «Mas, sabes os 84 artigos <strong>do</strong> estatuto<br />

48 ?» Nem pensara nestes artigos: limitara-me a estudar<br />

as noçons de «direitos e deveres <strong>do</strong> cidadao» contidas no livro<br />

de texto. e foi para mim umha terrível repreensom, que me<br />

impressionou tanto mais polo facto de no dia 20 de setembro<br />

anterior ter participa<strong>do</strong> pola primeira vez no desfile comemorativo<br />

com umha lanterna veneziana, e grita<strong>do</strong> como os<br />

demais: «Viva o leom de Caprera! Viva o morto de staglie-<br />

48 está a falar <strong>do</strong> estatuto real, um reme<strong>do</strong> de constituiçom <strong>do</strong> reino de<br />

sardenha, (que incluia o Piemonte), com capital em turim, núcleo <strong>do</strong> reino<br />

de Itália [N. <strong>do</strong> t].<br />

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