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Cartas do CárCere - Estaleiro Editora

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<strong>do</strong> ferro e batia contra ele de umha maneira <strong>do</strong>lorosa. entrou<br />

o chefe da escolta, um primeiro-sargento gigantesco, que ao<br />

fazer o reconto se parou no meu nome e perguntou-me se era<br />

parente <strong>do</strong> «famoso deputa<strong>do</strong> Gramsci». respondim que esse<br />

homem era eu próprio e fitou-me com um olhar compassivo,<br />

murmuran<strong>do</strong> algo incompreensível. em todas as paragens<br />

sentim que falava de mim, sempre qualifican<strong>do</strong>-me como o<br />

«famoso deputa<strong>do</strong>», nos grupos que se formavam em volta <strong>do</strong><br />

vagom celular (devo acrescentar que man<strong>do</strong>u que me colocassem<br />

os ferros de maneira suportável), a tal ponto que, visto o<br />

vento que sopra, pensava, ainda por cima, podia receber umha<br />

malheira de algum exalta<strong>do</strong>. Num determina<strong>do</strong> momento, o<br />

primeiro-sargento, que viajava no segun<strong>do</strong> vagom celular,<br />

passou àquele onde me encontrava eu e travou conversa. era<br />

um tipo extraordinariamente interessante e estranho, cheio<br />

de «necessidades metafísicas», como diria schopenhauer, mas<br />

que conseguia satisfazê-las da maneira mais extravagante e desordenada<br />

que se poda imaginar. dixo-me que se imaginara<br />

sempre a minha pessoa como «ciclópea» e que se desiludira<br />

muito deste ponto de vista. estava a ler um livro de M. Mariani,<br />

o Equilibrio degli egoismi 20 , e acabava de ler havia pouco<br />

um livro de um tal Paolo Gilles, de confutaçom <strong>do</strong> marxismo<br />

21 . tivem bom cuida<strong>do</strong> de lhe dizer que o tal Gilles era um<br />

20 a obra citada por G. é de 1924 e expom um confuso projeto de reforma<br />

social. Mario Mariani (1884-1951) foi um escritor de certo relevo na primeira<br />

pós-guerra, autor de relatos e romances de inspiraçom erótico-social.<br />

21 trata-se <strong>do</strong> Abozzo di umha filosofia della dignità umana [esboço de umha<br />

filosofia da dignidade humana], de Paul Gille, e nom Gilles, professor <strong>do</strong> Institut<br />

de Hautes Études de Bruxelas. a obra foi publicada na França em 1924 e<br />

a traduçom italiana é da editora social é de 1926, como prefácio de Francesco<br />

Merlino. a introduçom, «o sofisma anti-idealista de Marx», pp. 9-23, contém<br />

de facto umha tentativa de refutaçom <strong>do</strong> marxismo.<br />

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