12.05.2013 Views

Cartas do CárCere - Estaleiro Editora

Cartas do CárCere - Estaleiro Editora

Cartas do CárCere - Estaleiro Editora

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

16 de dezembro de 1929<br />

(Carta 56)<br />

Queridíssima tatiana,<br />

este mês escreveche pouquinho pouquinho: um postal de 28<br />

de novembro e umha cartinha <strong>do</strong> 29 dentro da carta de Giulia.<br />

Porém, hás de saber que nem eu tenho neste momento muita<br />

vontade de escrever. Parece-me que to<strong>do</strong>s os vínculos com o<br />

mun<strong>do</strong> externo vam rompen<strong>do</strong> um por um. Quan<strong>do</strong> estava<br />

no cárcere de Milám duas cartas por semana nunca me chegavam:<br />

tinha a teima de parolar por escrito. Lembras como<br />

escrevia longas, longas cartas? Poderia-se dizer que na altura<br />

to<strong>do</strong>s os meus pensamentos, durante a semana, se concentravam<br />

na segunda-feira: «sobre que po<strong>do</strong> escrever? de que<br />

maneira po<strong>do</strong> escrever sobre isto ou sobre isto outro, para que<br />

nom retenham a carta?» agora nom sei mais sobre que escrever,<br />

como começar. estou-me encasulan<strong>do</strong> por completo. a<br />

minha atençom dirige-se ao que leio e traduzo. Quan<strong>do</strong> reflexiono<br />

sobre mim mesmo tenho a impressom de ter caí<strong>do</strong><br />

novamente no esta<strong>do</strong> de obsessom em que me encontrava nos<br />

anos da universidade, quan<strong>do</strong> me concentrava numha questom<br />

e ela me absorvia de tal maneira que já nom reparava<br />

em nada e algumhas vezes corria o perigo de acabar sob o<br />

elétrico.<br />

dis que escreva para Giulia tantas pequenas cousas, detalhes<br />

da minha vida. Mas o facto é que na minha vida nom há<br />

nem pequenas cousas, nem detalhes, nom há claro-escuros.<br />

e é bom que seja assim. Quan<strong>do</strong> a vida no cárcere é movida,<br />

é um sinal mui feio. o único campo que nom é como aquela<br />

pintura que representava um negro na escuridade é o cerebral.<br />

Mas há limites, substanciais e formais. Formais, porque<br />

estou no cárcere e tenho limites regulamentares. substanciais,<br />

191

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!