08.04.2017 Views

Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017 [materialcursoseconcursos.blogspot.com.br]

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><<strong>br</strong> />

Pelo enunciado doutrinário, observa­se a tão aclamada interação entre os direitos patrimoniais e os<<strong>br</strong> />

direitos existenciais ou <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, o que está relacionado <strong>com</strong> o que se convém <strong>de</strong>nominar<<strong>br</strong> />

<strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong> Personalizado. A i<strong>de</strong>ia remonta à clássica o<strong>br</strong>a <strong>de</strong> Antonio Menger, intitulada O <strong>Direito</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Civil</strong> e os Po<strong>br</strong>es. 18 Entre os <strong>br</strong>asileiros, cumpre citar a céle<strong>br</strong>e teoria do Estatuto jurídico do<<strong>br</strong> />

patrimônio mínimo, criada por Luiz <strong>Ed</strong>son Fachin, que preten<strong>de</strong> assegurar à pessoa um mínimo para<<strong>br</strong> />

que possa viver <strong>com</strong> dignida<strong>de</strong>, um piso mínimo <strong>de</strong> direitos patrimoniais. 19<<strong>br</strong> />

O contrato <strong>de</strong> hoje é constituído por uma soma <strong>de</strong> fatores, e não mais pela vonta<strong>de</strong> pura dos<<strong>br</strong> />

contratantes, <strong>de</strong>lineando­se o significado do princípio da autonomia privada, pois outros elementos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

cunho particular irão influenciar o conteúdo do negócio jurídico patrimonial. Na formação do contrato,<<strong>br</strong> />

muitas vezes, percebe­se a imposição <strong>de</strong> cláusulas pela lei ou pelo Estado, o que nos leva ao caminho<<strong>br</strong> />

sem volta da intervenção estatal nos contratos ou dirigismo contratual. Como exemplo <strong>de</strong>ssa ingerência<<strong>br</strong> />

estatal ou legal, po<strong>de</strong>­se citar o Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor e mesmo o Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 2002,<<strong>br</strong> />

que igualmente <strong>de</strong>termina a nulida<strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong> cláusulas tidas <strong>com</strong>o abusivas.<<strong>br</strong> />

Também é pertinente lem<strong>br</strong>ar que, muitas vezes, a supremacia econômica <strong>de</strong> uma pessoa so<strong>br</strong>e a<<strong>br</strong> />

outra irá fazer <strong>com</strong> que uma parte economicamente mais forte dite as regras contratuais. A vonta<strong>de</strong> do<<strong>br</strong> />

mais fraco, sem dúvida, estará mitigada. Essa imposição po<strong>de</strong> ser, além <strong>de</strong> econômica, política, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

nos casos <strong>de</strong> um contrato administrativo, âmbito em que a autonomia privada também se faz presente,<<strong>br</strong> />

conforme reconhece o próprio Enzo Roppo.<<strong>br</strong> />

Importante reconhecer que, na prática, predominam os contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, ou contratos standard,<<strong>br</strong> />

padronizados, <strong>com</strong>o prefere o doutrinador italiano (Império dos Contratos­Mo<strong>de</strong>lo ou Estandardização<<strong>br</strong> />

Contratual). Do ponto <strong>de</strong> vista prático e da realida<strong>de</strong>, essa é a principal razão pela qual se po<strong>de</strong> afirmar<<strong>br</strong> />

que a autonomia da vonta<strong>de</strong> não é mais princípio contratual. Ora, a vonta<strong>de</strong> tem agora um papel<<strong>br</strong> />

secundário, resumindo­se, muitas vezes, a um sim ou não, <strong>com</strong>o resposta a uma proposta <strong>de</strong> contratação<<strong>br</strong> />

(take it or leave it, segundo afirmam os americanos, ou seja, é pegar ou largar). Em reforço, diante<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> negocial, não se po<strong>de</strong> dizer, às cegas, que os contratos fazem lei entre as partes, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

era <strong>com</strong>um outrora.<<strong>br</strong> />

Por todos esses fatores, conceitua­se o princípio da autonomia privada <strong>com</strong>o sendo um regramento<<strong>br</strong> />

básico, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m particular – mas influenciado por normas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública – pelo qual na formação<<strong>br</strong> />

do contrato, além da vonta<strong>de</strong> das partes, entram em cena outros fatores: psicológicos, políticos,<<strong>br</strong> />

econômicos e sociais. Trata­se do direito in<strong>de</strong>clinável da parte <strong>de</strong> autorregulamentar os seus<<strong>br</strong> />

interesses, <strong>de</strong>corrente da dignida<strong>de</strong> humana, mas que encontra limitações em normas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<<strong>br</strong> />

pública, particularmente nos princípios sociais contratuais.<<strong>br</strong> />

Sem dúvida que a substituição do princípio da autonomia da vonta<strong>de</strong> pelo princípio da autonomia<<strong>br</strong> />

privada traz sérias consequências para o instituto negocial. Não se po<strong>de</strong> esquecer <strong>de</strong>sse ponto quando se<<strong>br</strong> />

aponta a relativização do princípio da força o<strong>br</strong>igatória do contrato (pacta sunt servanda).<<strong>br</strong> />

Além disso, po<strong>de</strong>m surgir questões práticas interessantes relativas ao princípio da autonomia<<strong>br</strong> />

privada, particularmente pelo seu fundamento constitucional nos princípios da liberda<strong>de</strong> e da dignida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

humana. Como as normas restritivas da autonomia privada constituem exceção, não admitem analogia<<strong>br</strong> />

ou interpretação extensiva, justamente diante da tão mencionada valorização da liberda<strong>de</strong>. Em reforço,<<strong>br</strong> />

em situações <strong>de</strong> dúvida entre a proteção da liberda<strong>de</strong> da pessoa humana e os interesses patrimoniais,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ve prevalecer a primeira; ou seja, o direito existencial prevalece so<strong>br</strong>e o patrimonial.<<strong>br</strong> />

A título <strong>de</strong> exemplo prático <strong>de</strong>ssa conclusão, preceitua o art. 496, caput, do Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 2002,<<strong>br</strong> />

que é anulável a venda <strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>nte para <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, não havendo autorização dos <strong>de</strong>mais<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e do cônjuge do alienante. Surge uma dúvida: o dispositivo também se aplica à hipoteca,<<strong>br</strong> />

direito real <strong>de</strong> garantia so<strong>br</strong>e coisa alheia, exigindo­se, para a hipoteca a favor <strong>de</strong> um filho, a autorização<<strong>br</strong> />

dos <strong>de</strong>mais? A resposta é negativa, pois, caso contrário, estar­se­ia aplicando o citado <strong>com</strong>ando legal,<<strong>br</strong> />

por analogia, a uma <strong>de</strong>terminada situação não alcançada pela subsunção da norma jurídica. 20

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!