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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017 [materialcursoseconcursos.blogspot.com.br]

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><<strong>br</strong> />

“Relação homoafetiva e entida<strong>de</strong> familiar – 1. A norma constante do art. 1.723 do Código <strong>Civil</strong> — CC<<strong>br</strong> />

(‘É reconhecida <strong>com</strong>o entida<strong>de</strong> familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na<<strong>br</strong> />

convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida <strong>com</strong> o objetivo <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> família’) não<<strong>br</strong> />

obsta que a união <strong>de</strong> pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida <strong>com</strong>o entida<strong>de</strong> familiar apta a<<strong>br</strong> />

merecer proteção estatal. Essa a conclusão do Plenário ao julgar proce<strong>de</strong>nte pedido formulado em duas<<strong>br</strong> />

ações diretas <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> ajuizadas, respectivamente, pelo Procurador­Geral da República e<<strong>br</strong> />

pelo Governador do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Preliminarmente, conheceu­se <strong>de</strong> arguição <strong>de</strong> preceito<<strong>br</strong> />

fundamental — ADPF, proposta pelo segundo requerente, <strong>com</strong>o ação direta, tendo em vista a<<strong>br</strong> />

convergência <strong>de</strong> objetos entre ambas as ações, <strong>de</strong> forma que as postulações <strong>de</strong>duzidas naquela estariam<<strong>br</strong> />

inseridas nesta, a qual possui regime jurídico mais amplo. A<strong>de</strong>mais, na ADPF existiria pleito<<strong>br</strong> />

subsidiário nesse sentido. Em seguida, <strong>de</strong>clarou­se o prejuízo <strong>de</strong> pretensão originariamente formulada<<strong>br</strong> />

na ADPF consistente no uso da técnica da interpretação conforme a Constituição relativamente aos<<strong>br</strong> />

artigos 19, II e V, e 33 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da aludida unida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rativa<<strong>br</strong> />

(Decreto­lei 220/75). Consignou­se que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2007, a legislação fluminense (Lei 5.034/2007, art. 1.º)<<strong>br</strong> />

conferira aos <strong>com</strong>panheiros homoafetivos o reconhecimento jurídico <strong>de</strong> sua união. (…). No mérito,<<strong>br</strong> />

prevaleceu o voto proferido pelo Min. Ayres Britto, relator, que dava interpretação conforme a<<strong>br</strong> />

Constituição ao art. 1.723 do CC para <strong>de</strong>le excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da<<strong>br</strong> />

união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo <strong>com</strong>o entida<strong>de</strong> familiar, entendida<<strong>br</strong> />

esta <strong>com</strong>o sinônimo perfeito <strong>de</strong> família. Asseverou que esse reconhecimento <strong>de</strong>veria ser feito segundo<<strong>br</strong> />

as mesmas regras e <strong>com</strong> idênticas consequências da união estável heteroafetiva. De início, enfatizou que<<strong>br</strong> />

a Constituição proibiria, <strong>de</strong> modo expresso, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença<<strong>br</strong> />

entre a mulher e o homem. Além disso, apontou que fatores aci<strong>de</strong>ntais ou fortuitos, a exemplo da<<strong>br</strong> />

origem social, ida<strong>de</strong>, cor da pele e outros, não se caracterizariam <strong>com</strong>o causas <strong>de</strong> merecimento ou <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>smerecimento intrínseco <strong>de</strong> quem quer que fosse. Assim, observou que isso também ocorreria quanto<<strong>br</strong> />

à possibilida<strong>de</strong> da concreta utilização da sexualida<strong>de</strong>. Afirmou, nessa perspectiva, haver um direito<<strong>br</strong> />

constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher: a) <strong>de</strong> não sofrer discriminação pelo fato<<strong>br</strong> />

em si da contraposta conformação anátomo­fisiológica; b) <strong>de</strong> fazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer uso da respectiva<<strong>br</strong> />

sexualida<strong>de</strong>; e c) <strong>de</strong>, nas situações <strong>de</strong> uso emparceirado da sexualida<strong>de</strong>, fazê­lo <strong>com</strong> pessoas adultas do<<strong>br</strong> />

mesmo sexo, ou não. (…). Em passo seguinte, assinalou que, no tocante ao tema do emprego da<<strong>br</strong> />

sexualida<strong>de</strong> humana, haveria liberda<strong>de</strong> do mais largo espectro ante silêncio intencional da Constituição.<<strong>br</strong> />

Apontou que essa total ausência <strong>de</strong> previsão normativo­constitucional referente à fruição da preferência<<strong>br</strong> />

sexual, em primeiro lugar, possibilitaria a incidência da regra <strong>de</strong> que ‘tudo aquilo que não estiver<<strong>br</strong> />

juridicamente proibido, ou o<strong>br</strong>igado, está juridicamente permitido’. Em segundo lugar, o emprego da<<strong>br</strong> />

sexualida<strong>de</strong> humana diria respeito à intimida<strong>de</strong> e à vida privada, as quais seriam direito da personalida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

e, por último, <strong>de</strong>ver­se­ia consi<strong>de</strong>rar a âncora normativa do § 1.º do art. 5.º da CF/1988. Destacou,<<strong>br</strong> />

outrossim, que essa liberda<strong>de</strong> para dispor da própria sexualida<strong>de</strong> inserir­se­ia no rol dos direitos<<strong>br</strong> />

fundamentais do indivíduo, sendo direta emanação do princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e até<<strong>br</strong> />

mesmo cláusula pétrea. Frisou que esse direito <strong>de</strong> exploração dos potenciais da própria sexualida<strong>de</strong> seria<<strong>br</strong> />

exercitável tanto no plano da intimida<strong>de</strong> (absenteísmo sexual e onanismo) quanto da privacida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

(intercurso sexual). Asseverou, <strong>de</strong> outro lado, que o século XXI já se marcaria pela prepon<strong>de</strong>rância da<<strong>br</strong> />

afetivida<strong>de</strong> so<strong>br</strong>e a biologicida<strong>de</strong>. Ao levar em conta todos esses aspectos, indagou se a Constituição<<strong>br</strong> />

sonegaria aos parceiros homoafetivos, em estado <strong>de</strong> prolongada ou estabilizada união – realida<strong>de</strong> há<<strong>br</strong> />

muito constatada empiricamente no plano dos fatos –, o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos<<strong>br</strong> />

casais heteroafetivos em idêntica situação (…). Após mencionar que a família <strong>de</strong>veria servir <strong>de</strong> norte<<strong>br</strong> />

interpretativo para as figuras jurídicas do casamento civil, da união estável, do planejamento familiar e<<strong>br</strong> />

da adoção, o relator registrou que a diretriz da formação <strong>de</strong>ssa instituição seria o não atrelamento a<<strong>br</strong> />

casais heteroafetivos ou a qualquer formalida<strong>de</strong> cartorária, cele<strong>br</strong>ação civil ou liturgia religiosa. Realçou<<strong>br</strong> />

que família seria, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos<<strong>br</strong> />

respectivos mem<strong>br</strong>os, constituindo­se no espaço i<strong>de</strong>al das mais duradouras, afetivas, solidárias ou<<strong>br</strong> />

espiritualizadas relações humanas <strong>de</strong> índole privada, o que a cre<strong>de</strong>nciaria <strong>com</strong>o base da socieda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

(CF/1988, art. 226, caput). Desse modo, anotou que se <strong>de</strong>veria extrair do sistema a proposição <strong>de</strong> que a<<strong>br</strong> />

isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganharia plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sembocasse no igual direito subjetivo à formação <strong>de</strong> uma autonomizada família, constituída, em regra,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> as mesmas notas factuais da visibilida<strong>de</strong>, continuida<strong>de</strong> e durabilida<strong>de</strong> (CF/1988, art. 226, § 3.º:

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