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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017 [materialcursoseconcursos.blogspot.com.br]

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><<strong>br</strong> />

previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, <strong>de</strong> qualquer natureza, no caso <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

transferência <strong>de</strong> domínio ou posse do imóvel rural” (Lei 12.651/2012).<<strong>br</strong> />

So<strong>br</strong>e a função social da proprieda<strong>de</strong>, o julgado <strong>br</strong>asileiro que merece maiores <strong>de</strong>staques é o caso<<strong>br</strong> />

da Favela Pullman, do mesmo modo pronunciado pelo STJ, em que a citada intervenção<<strong>br</strong> />

impulsionadora da função social ficou clara.<<strong>br</strong> />

A Favela Pullman localiza­se na zona sul da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, e nela vivem milhares <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

famílias. A favela tem origem em um antigo loteamento, <strong>de</strong> 1955, que não teve o <strong>de</strong>vido <strong>de</strong>stino, por<<strong>br</strong> />

muitos anos, por parte dos seus proprietários, sendo invadida e ocupada paulatinamente.<<strong>br</strong> />

Após anos e a plena ocupação da área e a favelização, os proprietários <strong>de</strong> alguns terrenos ocupados<<strong>br</strong> />

ingressaram <strong>com</strong> ação reivindicatória, que foi julgada proce<strong>de</strong>nte em primeira instância. Consta dos<<strong>br</strong> />

autos que tais proprietários adquiriram a área entre 1978 e 1979 e que a ação reivindicatória foi proposta<<strong>br</strong> />

em 1985. A sentença repeliu a alegação <strong>de</strong> usucapião dos ocupantes e con<strong>de</strong>nou os réus à <strong>de</strong>socupação<<strong>br</strong> />

da área, sem qualquer direito <strong>de</strong> retenção por benfeitorias e <strong>de</strong>vendo pagar in<strong>de</strong>nização pela ocupação<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ajuizamento da <strong>de</strong>manda.<<strong>br</strong> />

Os ocupantes apelaram então ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, preten<strong>de</strong>ndo caracterizar a<<strong>br</strong> />

existência da usucapião especial urbana, pois incontestavelmente todos já viviam no local há mais <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

cinco anos, e ocupavam áreas inferiores a 250 m 2 , não possuindo qualquer um <strong>de</strong>les outra proprieda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

imóvel. Alegaram, portanto, a aplicação do instituto previsto no art. 1.240 do CC/2002 e que constava<<strong>br</strong> />

do art. 183 da CF/1988, a usucapião especial ou constitucional urbana.<<strong>br</strong> />

Ainda em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso, os ocupantes, subsidiariamente, preten<strong>de</strong>ram o reconhecimento da boafé<<strong>br</strong> />

e, consequentemente, do direito <strong>de</strong> retenção por benfeitorias. O TJSP <strong>de</strong>u provimento à apelação dos<<strong>br</strong> />

réus, para julgar improce<strong>de</strong>nte a ação, invertidos os ônus sucumbenciais. Essa <strong>de</strong>cisão revolucionária<<strong>br</strong> />

teve <strong>com</strong>o relator o Desembargador José Osório <strong>de</strong> Azevedo Júnior. Destaque­se o seguinte trecho da<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>cisão, <strong>com</strong> correto preenchimento da função social da proprieda<strong>de</strong>:<<strong>br</strong> />

“O atual direito positivo <strong>br</strong>asileiro não <strong>com</strong>porta o pretendido alcance do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> reivindicar<<strong>br</strong> />

atribuído ao proprietário pelo art. 524 do CC. A leitura <strong>de</strong> todos os textos do CC só po<strong>de</strong> se<<strong>br</strong> />

fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se concebe um direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que tenha vida em confronto <strong>com</strong> a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ou que se <strong>de</strong>senvolva paralelamente a<<strong>br</strong> />

ela. As regras legais, <strong>com</strong>o se sabe, se arrumam <strong>de</strong> forma piramidal. Ao mesmo tempo em que<<strong>br</strong> />

manteve a proprieda<strong>de</strong> privada, a CF/1988 a submeteu ao princípio da função social (arts. 5.º,<<strong>br</strong> />

XXII e XXIII; 170, II e III; 182, § 2.º; 184; 186 etc.). Esse princípio não significa apenas uma<<strong>br</strong> />

limitação a mais ao direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, <strong>com</strong>o, por exemplo, as restrições administrativas,<<strong>br</strong> />

que atuam por força externa àquele direito, em <strong>de</strong>corrência do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia da<<strong>br</strong> />

Administração. O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os po<strong>de</strong>res<<strong>br</strong> />

inerentes ao domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o<<strong>br</strong> />

princípio da função social introduz um outro interesse (social) que po<strong>de</strong> não coincidir <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

interesses do proprietário. Veja­se, a esse propósito, José Afonso da Silva, <strong>Direito</strong><<strong>br</strong> />

constitucional positivo, 5. ed., p. 249­250, <strong>com</strong> apoio em autores europeus. Assim, o referido<<strong>br</strong> />

princípio torna o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certa forma, conflitivo consigo próprio, cabendo ao<<strong>br</strong> />

Judiciário dar­lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos.<<strong>br</strong> />

(…). 10 – No caso dos autos, o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> foi exercitado, pelos autores e por seus<<strong>br</strong> />

antecessores, <strong>de</strong> forma antissocial. O loteamento – pelo menos no que diz respeito aos nove<<strong>br</strong> />

lotes reivindicados e suas imediações – ficou praticamente abandonado por mais <strong>de</strong> 20 (vinte)<<strong>br</strong> />

anos; não foram implantados equipamentos urbanos; em 1973, havia árvores até nas ruas;<<strong>br</strong> />

quando da aquisição dos lotes, em 1978/9, a favela já estava consolidada. Em cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> franca<<strong>br</strong> />

expansão populacional, <strong>com</strong> problemas gravíssimos <strong>de</strong> habitação, não se po<strong>de</strong> prestigiar tal<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>portamento <strong>de</strong> proprietários”.

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