Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017 [materialcursoseconcursos.blogspot.com.br]

Manual de Direito Civil<br />
Tema dos mais relevantes a respeito da matéria possessória se refere à diferença categórica entre a<br />
posse e a detenção. O detentor não pode ser confundido com o possuidor, pela inteligência do art. 1.198<br />
do CC/2002: “Considera­se detentor aquele que, achando­se em relação de dependência para com outro,<br />
conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Parágrafo único.<br />
Aquele que começou a comportar­se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra<br />
pessoa, presume­se detentor, até que prove o contrário”.<br />
Segundo Maria Helena Diniz, o detentor ou fâmulo de posse, denominado gestor da posse, detentor<br />
dependente ou servidor da posse, tem a coisa apenas em virtude de uma situação de dependência<br />
econômica ou de um vínculo de subordinação (ato de mera custódia). A lei ressalva não ser possuidor<br />
aquele que, achando­se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e<br />
em cumprimento de ordens e instruções suas. 21<br />
O detentor exerce sobre o bem não uma posse própria, mas uma posse em nome de outrem. Como<br />
não tem posse, não lhe assiste o direito de invocar, em nome próprio, as ações possessórias. Porém, é<br />
possível que o detentor defenda a posse alheia por meio da autotutela, tratada pelo art. 1.210, § 1.º, do<br />
CC, conforme reconhece o seguinte enunciado doutrinário, da V Jornada de Direito Civil: “O detentor<br />
(art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu<br />
poder” (Enunciado n. 493). O art. 1.208, primeira parte, do CC acrescenta que não induzem posse os<br />
atos de mera permissão ou tolerância.<br />
Vejamos alguns exemplos de detenção, para deixar bem claro que ela não se confunde com a posse.<br />
Como primeiro exemplo, cite­se a hipótese de alguém que para o seu carro em um estacionamento,<br />
entregando­o a um manobrista. A empresa de estacionamento é possuidora, diante da existência de um<br />
contrato atípico, com elementos do depósito; já o manobrista é detentor, pois tem o veículo em nome da<br />
empresa, com quem tem relação de subordinação.<br />
Partindo para as concretizações jurisprudenciais, o STJ, em reiteradas vezes, vinha entendendo que<br />
a ocupação irregular de área pública não induziria posse, mas ato de mera detenção (por todos: STJ,<br />
REsp 556.721/DF, 2.ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, data da decisão: 15.09.2005). O objetivo dessa<br />
forma de julgar era o de afastar qualquer pretensão de usucapião de bens públicos, presente a citada<br />
ocupação irregular.<br />
Com o devido respeito, sempre entendemos que o caso seria não de detenção, mas de uma posse<br />
precária que, por ser injusta, não geraria a usucapião. Todavia, em havendo posse, o ocupante­invasor<br />
poderia propor ações possessórias contra terceiros.<br />
Em 2016, surgiu decisão do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido, corrigindo aquele equívoco<br />
anterior. Conforme publicação constante do seu Informativo n. 579, “é cabível o ajuizamento de ações<br />
possessórias por parte de invasor de terra pública contra outros particulares. Inicialmente, salienta­se<br />
que não se desconhece a jurisprudência do STJ no sentido de que a ocupação de área pública sem<br />
autorização expressa e legítima do titular do domínio constitui mera detenção (REsp 998.409DF,<br />
Terceira Turma, DJe 3/11/2009). Contudo, vislumbra­se que, na verdade, isso revela questão<br />
relacionada à posse. Nessa ordem de ideias, ressalta­se o previsto no art. 1.198 do CC, in verbis:<br />
‘Considera­se detentor aquele que, achando­se em relação de dependência para com outro, conserva a<br />
posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas’. Como se vê, para que se possa<br />
admitir a relação de dependência, a posse deve ser exercida em nome de outrem que ostente o jus<br />
possidendi ou o jus possessionis. Ora, aquele que invade terras públicas e nela constrói sua moradia<br />
jamais exercerá a posse em nome alheio, de modo que não há entre ele e o ente público uma relação de<br />
dependência ou de subordinação e, por isso, não há que se falar em mera detenção. De fato, o animus<br />
domni é evidente, a despeito de ele ser juridicamente infrutífero. Inclusive, o fato de as terras serem<br />
públicas e, dessa maneira, não serem passíveis de aquisição por usucapião, não altera esse quadro. Com<br />
frequência, o invasor sequer conhece essa característica do imóvel. Portanto, os interditos possessórios<br />
são adequados à discussão da melhor posse entre particulares, ainda que ela esteja relacionada a terras