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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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golfada de vômito no acostamento de terra. Respirou fun<strong>do</strong> mais uma vez. Estava in<strong>do</strong><br />

rápi<strong>do</strong> naquele instante. Sabia muito bem como teria fica<strong>do</strong> o carro e as possíveis<br />

consequências <strong>do</strong> impacto. Seus olhos se encheram de lágrimas e, num segun<strong>do</strong>, estava<br />

aos prantos, senta<strong>do</strong> no chão, junto ao pneu dianteiro esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> veículo. Olhou<br />

novamente para a pista. Apesar da noite, as estrelas emprestavam um pouco de luz à<br />

estrada, e as marcas <strong>do</strong>s pneus de sua caminhonete atravessan<strong>do</strong> a pista estavam tão<br />

evidentes quanto o cheiro de borracha queimada no ar. Aquele rompante lacrimoso<br />

durou uns seis minutos, tempo mais <strong>do</strong> que suficiente para extravasar toda a amargura e<br />

a <strong>do</strong>r que tinha segura<strong>do</strong> no peito até aquele momento. Durante a viagem de ida e to<strong>do</strong><br />

o enterro não havia deita<strong>do</strong> uma lágrima sequer. Por conta disso, não estranhou e, para<br />

falar a verdade, sentia-se até melhor e mais confortável agora. Sabia que, ce<strong>do</strong> ou tarde,<br />

explodiria, e nada como um pouco de adrenalina ao ver a morte passar pertinho <strong>do</strong> seu<br />

para-brisa para acelerar o momento mágico e deixá-lo extravasar tu<strong>do</strong>, ali, sozinho, sem<br />

o embaraço de pessoas por perto perguntan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong> instante se ele estava bem. Sentouse<br />

no carro, o motor ainda funcionan<strong>do</strong>. Engatou a marcha e retornou para a pista. O<br />

que teria aconteci<strong>do</strong> com o caminhão? Era um daqueles modelos modernos, to<strong>do</strong><br />

equipa<strong>do</strong> com aparelhos de rastreamento via satélite e antenas, que parecia poder sair<br />

dali sozinho, sem motorista nem nada. Vê-lo ali, para<strong>do</strong>, fora de um posto de serviços,<br />

vulnerável, àquela hora da noite era bem esquisito.<br />

No quinto minuto, ainda reviven<strong>do</strong> o ocorri<strong>do</strong>, avistou, no fim de uma longa<br />

descida, outro caminhão enorme daqueles, com as torres de antenas de satélite forman<strong>do</strong><br />

um semicírculo branco no topo <strong>do</strong> cavalo, para<strong>do</strong> à beira da pista, já que naquele trecho<br />

não existia um acostamento decente. O veículo era um <strong>do</strong>s grandes, um treminhão,<br />

carrega<strong>do</strong> de cana, com as luzes alaranjadas <strong>do</strong> pisca-alerta dardejan<strong>do</strong> pelo asfalto.<br />

Desviou-se com boa antecedência dessa vez; um sorriso nervoso brotan<strong>do</strong> no rosto.<br />

Passou devagar olhan<strong>do</strong> para dentro da boleia e viu o motorista com um celular no<br />

ouvi<strong>do</strong>. Acelerou e pegou uma subida longa. Avistou uma placa indican<strong>do</strong> o limite <strong>do</strong><br />

município de Angatuba e, então, outro caminhão para<strong>do</strong> na pista, na contramão. Parecia<br />

ser o dia nacional <strong>do</strong> azar <strong>do</strong> caminhoneiro.<br />

Ao passar pelo trevo de Angatuba seus olhos pesaram de verdade, pela primeira vez.<br />

Estava cansa<strong>do</strong>. Verdadeiramente cansa<strong>do</strong>. Ali a estrada convergia para um trecho mais<br />

seguro, duas pistas com canteiro central. Essa nova tranquilidade ajudava a monotonia.<br />

Antes que batesse e capotasse, decidiu encostar no primeiro posto de gasolina com<br />

restaurante que encontrasse na estrada. Abriu novamente os vidros da frente para que o<br />

vento voltasse a mantê-lo desperto. Notou relâmpagos silenciosos iluminan<strong>do</strong> as nuvens.<br />

Um cheiro diferente vinha <strong>do</strong> ar; um cheiro a<strong>do</strong>cica<strong>do</strong>. Seus olhos mais uma vez

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