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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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Assim que se distanciou daquele prédio, chegou ao Hospital <strong>do</strong> Mandaqui. Uma<br />

multidão incalculável tinha se junta<strong>do</strong> nos portões fecha<strong>do</strong>s da instituição. Seguranças e<br />

enfermeiros barricavam os portões com macas e mesas e gritavam, tangen<strong>do</strong> o povo que<br />

queria invadir como se fosse ga<strong>do</strong> teimoso. As pessoas, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora, choravam e<br />

gritavam, muitas pessoas a<strong>do</strong>rmecidas no chão. A imagem <strong>do</strong> vampiro da praça voltou à<br />

sua mente. To<strong>do</strong>s aqueles a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>s acordariam como ele, transforma<strong>do</strong>s. Não eram<br />

mais gente, eram monstros hibernan<strong>do</strong> em corpos humanos. Viu <strong>do</strong>is deles acorda<strong>do</strong>s,<br />

amarra<strong>do</strong>s em lençóis e presos com braçadeiras plásticas, e visivelmente não estavam<br />

gostan<strong>do</strong> nada daquilo, estavam espuman<strong>do</strong> de raiva, separa<strong>do</strong>s por coisa de três metros<br />

de distância um <strong>do</strong> outro. Os familiares pareciam ter se junta<strong>do</strong> por partilhar o mesmo<br />

calvário. Uma das famílias era evangélica, e um a<strong>do</strong>lescente tinha uma Bíblia na mão,<br />

parecia orar para a mulher amarrada, que poderia ser sua mãe.<br />

Cássio afastou-se <strong>do</strong> Hospital, correu pela descida até chegar ao grande cruzamento<br />

da Caetano Álvares. A lanchonete <strong>do</strong> McDonald’s, também ardia em chamas. A fumaça<br />

soprada pelo vento entrou por suas narinas, fazen<strong>do</strong>-o tossir e desviar para o meio da<br />

rua. Uma buzina soou alto, obrigan<strong>do</strong> o sargento a se jogar no chão. O carro passou a<br />

centímetros de suas pernas. Levantou-se e continuou andan<strong>do</strong>. Os bancos ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

cruzamento tinha as portas de vidro estouradas, e os alarmes soavam. Os saquea<strong>do</strong>res<br />

tinham usa<strong>do</strong> pedaços de madeira e pedras para invadir as agências e pés de cabra para<br />

arrombar os caixas automáticos, sem que nenhuma viatura de polícia parasse para<br />

incomodá-los. A população estava experimentan<strong>do</strong> uma sorte de me<strong>do</strong>s. Me<strong>do</strong> de perder<br />

o dinheiro que estava tranca<strong>do</strong> dentro daquelas instituições, me<strong>do</strong> de ficar sem dinheiro<br />

para comprar comida, me<strong>do</strong> das pessoas a<strong>do</strong>rmecidas, e nessa noite descobririam um<br />

novo me<strong>do</strong>. O me<strong>do</strong> daqueles que tomavam sangue.<br />

A caminhada até sua rua foi puxada. Ladeiras, escuridão, vultos, falta de iluminação<br />

em vários trechos. A ânsia pela confirmação de que sua irmã e seus sobrinhos estavam<br />

bem sobrepujava o cansaço, dan<strong>do</strong> a energia exata para que seus passos avançassem.<br />

Quanto mais adentrava os bairros periféricos, mais desertas as ruas se tornavam, fazen<strong>do</strong><br />

com que os lati<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s cães ganhassem importância. Os carros eram cada vez mais raros.<br />

Virou-se duas vezes para ver motos passan<strong>do</strong>. Nenhuma viatura de polícia. O poder<br />

público parecia ter evapora<strong>do</strong>. As pessoas andan<strong>do</strong> na rua também rarearam e, quan<strong>do</strong><br />

Cássio chegou ao trecho <strong>do</strong> Horto Florestal — espremi<strong>do</strong> por um la<strong>do</strong> pelas árvores e<br />

grades <strong>do</strong> parque e <strong>do</strong> outro por um muro, aprisiona<strong>do</strong> por uma escuridão inescrutável<br />

—, parecia que aquele homem gor<strong>do</strong> saltaria de trás das grades e o derrubaria, cravan<strong>do</strong><br />

os dentes em seu pescoço. Aquelas ruas nunca pareceram tão longas. A luz pública faltava<br />

e o escuro parecia trancar o caminho, esconden<strong>do</strong> os comércios, as árvores e as casas <strong>do</strong>

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