19.04.2013 Views

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

celular de cima da ponte, fazen<strong>do</strong> o aparelho mergulhar na água parda <strong>do</strong> rio. Carros<br />

buzinavam nas pistas da Marginal Tietê, sem que conseguissem sair <strong>do</strong> lugar. Era como<br />

se as vias fossem um sistema circulatório estagna<strong>do</strong>, coagula<strong>do</strong>, prenden<strong>do</strong> cada célula de<br />

quatro rodas naquelas estreitas artérias. Os carros não se moviam. Aqui ou ali viam-se<br />

veículos que tinham si<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s sobre calçadas, com seus pisca-alertas liga<strong>do</strong>s,<br />

atravancan<strong>do</strong> ruas e esquinas. Outros, aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s ainda nas vias, eram empurra<strong>do</strong>s por<br />

passantes e motoristas que tentavam abrir caminho à força. Nenhum daqueles motoristas<br />

tinha se da<strong>do</strong> conta de que os carros não valeriam mais nada quan<strong>do</strong> chegasse a noite.<br />

Quem insistisse em ficar dentro <strong>do</strong>s carros esperan<strong>do</strong> um desafogamento das vias<br />

acordaria ali, atrás <strong>do</strong>s volantes, para<strong>do</strong> no mesmo quarteirão. Cássio sentiu-se preso à<br />

ponte por um segun<strong>do</strong> também, sentin<strong>do</strong> o vento frio da noite chegan<strong>do</strong>, apertou o<br />

passo, a caminhada seria das boas, estava fora de forma para uma corrida, então levaria<br />

coisa de duas horas e meia até sua casa.<br />

Uma procissão silenciosa seguia também rumo ao bairro, parecen<strong>do</strong> que to<strong>do</strong>s fugiam<br />

<strong>do</strong> centro de São Paulo, como manadas de animais assusta<strong>do</strong>s que previam um grande<br />

tremor de terra por vir. Do outro la<strong>do</strong> da ponte o posto policial estava deserto. As luzes<br />

apagadas e nenhum viatura estacionada ao la<strong>do</strong>. Certamente os policiais estavam<br />

ocupa<strong>do</strong>s com alguma ocorrência urgente. Cássio continuou em frente. A iluminação<br />

pública projetava uma aura alaranjada sobre a paisagem. Era impossível não parar a cada<br />

esquina e olhar o entorno. Apesar de aquela imagem ser comum, assim que chegou à<br />

entrada da praça Campo de Bagatelle o número de gente andan<strong>do</strong> deu a exata dimensão<br />

de como aquele apagão nas telecomunicações tinha mexi<strong>do</strong> com o organismo da cidade.<br />

Sem celulares, sem telefones, sem caixas eletrônicos, as pessoas vagavam unidas,<br />

reforçan<strong>do</strong> aquele sentimento de manada que tinha detecta<strong>do</strong> segun<strong>do</strong>s atrás. A chegada<br />

da noite tinha feito as pessoas se juntarem mais ainda. A cidade, estranhamente, estava<br />

silenciosa. Ouviam-se os passos mais altos <strong>do</strong> que as buzinas que tinham fica<strong>do</strong> para trás,<br />

nas pistas da Marginal. Alguns carros ainda passavam, mas lentamente. Em vez de<br />

pararem por conta de um semáforo ou outro carro, os motoristas negociavam espaços<br />

com pedestres e veículos para<strong>do</strong>s. A escuridão veio engolin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os cantos, toman<strong>do</strong><br />

esquinas, telha<strong>do</strong>s, invadin<strong>do</strong> garagens, enchen<strong>do</strong> de me<strong>do</strong> aqueles rostos já tão<br />

assombra<strong>do</strong>s, tão assusta<strong>do</strong>s pela confusão instaurada. Cássio olhou para a frente, a<br />

silhueta <strong>do</strong> 14-Bis eclipsada pelos galhos de árvores erigidas ao re<strong>do</strong>r da praça que<br />

criavam braços escuros e sombrios sobre o grama<strong>do</strong>. O estranho silêncio foi corta<strong>do</strong><br />

quan<strong>do</strong> gritos ganharam as ruas, vinham das ruas no entorno da praça, <strong>do</strong>s<br />

estacionamentos ao re<strong>do</strong>r. O sargento, movi<strong>do</strong> pelo instinto de carreira, apurou os<br />

ouvi<strong>do</strong>s, cerrou os olhos, procurou coisas nas sombras, e a mão na coronha da pistola. As

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!