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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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CAPÍTULO 16<br />

Assim que a noite caiu, como num passe de mágica, o que era morto tornou-se vivo.<br />

Aquele corpo reanima<strong>do</strong> abriu os olhos, encontran<strong>do</strong> a mais impenetrável escuridão. Ela<br />

sentia to<strong>do</strong>s os músculos <strong>do</strong>erem insanamente com a menor contração. Estava presa por<br />

to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s. Sentia uma pressão insuportável no peito, no ab<strong>do</strong>me e na virilha,<br />

impedin<strong>do</strong>-a que se movesse. Então uma porção de lembranças inun<strong>do</strong>u seu pensamento,<br />

fazen<strong>do</strong>-a duvidar que ainda pairava no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s vivos. Tinha toma<strong>do</strong> <strong>do</strong>is tiros. Seria<br />

aquele invólucro que a comprimia uma nave para o inferno? Deveria estar morta. Pelo<br />

menos fora esse seu último pensamento antes de apagar, com falta de ar, sem conseguir<br />

mais respirar, sentin<strong>do</strong> o peito arder logo depois <strong>do</strong>s disparos <strong>do</strong> bandi<strong>do</strong>. Se ainda<br />

estava viva, era provável que estivesse de volta ao cativeiro. Então aquela sensação<br />

angustiante e implacável que sentira ainda viva voltou violenta. Era a sede. Corroen<strong>do</strong><br />

sua língua, ressecan<strong>do</strong> sua mucosa e gengivas, invadin<strong>do</strong> sua garganta. Aquela sede<br />

inacreditável estava ali mais uma vez, turvan<strong>do</strong> seus pensamentos, consumin<strong>do</strong> sua alma,<br />

aprisionan<strong>do</strong> sua mente. Cheiro de sangue. O seu próprio sangue. Como tinha<br />

sobrevivi<strong>do</strong> àquilo? Como continuava no cativeiro? Raquel não sabia. Uma ideia louca<br />

brotou em sua cabeça e começou a se tornar desespera<strong>do</strong>ra à medida que aquela<br />

imobilidade total lhe sugeria uma hipótese terrível que engatinhava para uma certeza.<br />

Aquela prisão hermética lhe sugeria que não estava no cativeiro, nem fora amarrada de<br />

forma mais severa. Os tiros certeiros tinham da<strong>do</strong> a impressão a eles de que ela estava<br />

morta. Ser amarrada não era lógico. Restava pensar que estava viva no fun<strong>do</strong> de uma<br />

cova! Era por isso que não enxergava nada e tinha aquela sensação desagradável nos<br />

olhos. Quan<strong>do</strong> abriu a boca passou a língua em um teci<strong>do</strong> áspero e fino. Por baixo da<br />

trama podia sentir a textura e o aroma de terra. O cheiro brutal de sangue voltou,<br />

velan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os seus senti<strong>do</strong>s, sobrepon<strong>do</strong>-se ferozmente, crian<strong>do</strong> um efeito inespera<strong>do</strong>.<br />

Afastan<strong>do</strong> o me<strong>do</strong> e o pavor que deveria estar toman<strong>do</strong> sua mente e substituin<strong>do</strong> a<br />

primeira urgência por outra; um desejo incontrolável de encontrar a fonte daquele<br />

aroma perturba<strong>do</strong>r. A sede virava fome! Raquel tentou gritar, mas seu grito foi sufoca<strong>do</strong><br />

pelo teci<strong>do</strong> cola<strong>do</strong> em seus lábios. Ela remexeu-se com força. A <strong>do</strong>r lancinante<br />

continuava ali, mas ela não podia ficar parada, esperar para morrer sufocada ou por<br />

inanição. Conseguiu flexionar os de<strong>do</strong>s, sentin<strong>do</strong> a terra se movimentar ao re<strong>do</strong>r. O<br />

cheiro de sangue não a deixava em paz, aumentan<strong>do</strong> sua angústia. A hemorragia tinha<br />

si<strong>do</strong> grande. Ela poderia morrer meramente por tentar sair dali, empreenden<strong>do</strong> tanto

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