19.04.2013 Views

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

enchen<strong>do</strong>-o de informações desnecessárias, reclaman<strong>do</strong> que ia perder to<strong>do</strong>s os episódios<br />

da semana de sua novela favorita. Ele só queria o silêncio e o escuro. O escuro,<br />

principalmente. Não queria nada daquelas refeições para <strong>do</strong>entes. Queria ficar deita<strong>do</strong>,<br />

protegi<strong>do</strong> na sua cama de solteiro, acalma<strong>do</strong> pelo escuro, protegi<strong>do</strong> pelas sombras,<br />

esperan<strong>do</strong> as horas passarem e, com sorte, aquele zumbi<strong>do</strong> em seus ouvi<strong>do</strong>s ir embora e a<br />

queimação em seu estômago desaparecer. Ele estava <strong>do</strong>ente, e era só nisso que<br />

concordavam. Ela colocara a mão em sua testa um zilhão de vezes. Parecia até<br />

decepcionada em não encontrar traços de febre. Ela dizia que aquele suor não era normal<br />

e que era boa ideia irem até um hospital porque, se ele apagasse, ela não teria forças para<br />

carregá-lo até o eleva<strong>do</strong>r e <strong>do</strong> eleva<strong>do</strong>r ao carro. Ele ficaria lá, apaga<strong>do</strong>, e ela não iria<br />

sair que nem uma <strong>do</strong>ida à caça de ajuda só porque ele estava sen<strong>do</strong> um turrão teimoso.<br />

Daí à tarde a energia da rua acabou e as coisas pioraram, ela começou a ralhar ainda<br />

mais, não calava a boca um segun<strong>do</strong>, choramingan<strong>do</strong> que quan<strong>do</strong> ficasse de noite ela ia<br />

<strong>do</strong>rmir ali, ao la<strong>do</strong> dele, porque morria de me<strong>do</strong> <strong>do</strong> escuro. Disse que ia procurar velas e<br />

falar com a Cleuzinha se ela também não queria subir e ficar com eles. Se conseguisse<br />

que o teimoso <strong>do</strong> seu Antunes viesse, poderiam até jogar uma biribinha ou uma tranca<br />

valen<strong>do</strong>. A mania de tocar sua testa não parou. A velha saiu de seu quarto e voltou com<br />

uma vela. Ela abriu uma fresta na cortina e espiou para fora, o céu roxo escurecia, com a<br />

caída rápida <strong>do</strong> sol atrás <strong>do</strong>s prédios. A mulher estremeceu ao ouvir gritos vin<strong>do</strong>s lá<br />

debaixo, <strong>do</strong> prédio <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da rua.<br />

— Você ouviu isso, Jessé?<br />

A mulher se afastou da maldita janela, deixan<strong>do</strong> aquela maldita fresta aberta,<br />

deixan<strong>do</strong> o final da luz <strong>do</strong> dia entrar, luz o suficiente para fazer com que seus olhos<br />

ardessem como o inferno, enchen<strong>do</strong>-o de vontade de arrancar a cabeça da velha com as<br />

mãos e arremessá-la pela janela. Infla<strong>do</strong> de puro ódio, Jessé olhou para a janela mais uma<br />

vez e notou que a luz tinha i<strong>do</strong> embora. O sol tinha i<strong>do</strong> embora e, com ele, algo mais em<br />

seu interior também queria ir. Sentiu uma fisgada no estômago e se enrodilhou sobre a<br />

cama. Nesse momento a velha Miriam tornou a se aproximar com a porra da mão<br />

estendida. Foi nessa última vez que se aproximou para tomar sua temperatura e secar seu<br />

suor que tu<strong>do</strong> degringolou de vez.<br />

Jessé sentiu uma contração estomacal mais forte. Uma baba espessa e cheia de espuma<br />

chegou aos seus lábios, como um derradeiro litro de humanidade escorren<strong>do</strong> pela boca.<br />

Gritou de <strong>do</strong>r, fazen<strong>do</strong> <strong>do</strong>na Miriam tirar a mão de sua testa. Um cheiro <strong>do</strong>ce e<br />

inebriante encheu seu nariz. Vinha da mão dela. A sede se multiplicou. Jessé, sem<br />

conseguir controlar o próprio corpo, se contorceu mais uma vez e de forma tão intensa<br />

que seu corpo foi ao chão, cain<strong>do</strong> sobre a própria baba. Sentiu o peito <strong>do</strong>er de um jeito

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!