19.04.2013 Views

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

se mexi<strong>do</strong>.<br />

— Chaveiro, vai chamar o enfermeiro. Quero que vejam se o pesca<strong>do</strong>r está vivo.<br />

Rui disparou a descarga, tentan<strong>do</strong> imaginar quan<strong>do</strong> tinha vira<strong>do</strong> garoto de reca<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s. Deu uma cuspida dentro <strong>do</strong> vaso, ven<strong>do</strong> a água girar e sumir na tubulação,<br />

lançan<strong>do</strong> um ronco dentro da casa.<br />

— Ssssh! — resmungou Castro <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r. — Para com essa porra!<br />

O solda<strong>do</strong> caminhava com o fuzil ergui<strong>do</strong>, pronto para o disparo. Quan<strong>do</strong> o som da<br />

descarga diminuiu, ele escutou o choro. Um choro fraco, baixinho, de criança.<br />

— É um nenê choran<strong>do</strong> — murmurou o solda<strong>do</strong>, andan<strong>do</strong> lentamente até a porta<br />

além <strong>do</strong> banheiro.<br />

Castro pousou a mão na maçaneta e a girou devagar. Diferente da cozinha, que tinha<br />

janelas amplas e lançava um pouco de luz no fim daquele corre<strong>do</strong>r, o quarto estava com<br />

as janelas cerradas e cortinas fechadas, o que o tornava ainda mais escuro que to<strong>do</strong> o<br />

resto. Abriu toda a porta e olhou para Ikeda no corre<strong>do</strong>r, que trazia a lanterna. Castro<br />

não queria baixar o fuzil, já que um pressentimento ruim corroía-lhe as entranhas. Ikeda<br />

jogou luz para dentro <strong>do</strong> quarto enquanto Castro avançou com a arma pronta. Era um<br />

quarto de criança. Uma cama pequena, prateleiras e mais prateleiras com livros infantis.<br />

Brinque<strong>do</strong>s no chão, o guarda-roupa aberto com algumas roupas <strong>do</strong>bradas em cima de<br />

uma cômoda, esperan<strong>do</strong> para serem guardadas. Ao que parecia a mãe tinha resolvi<strong>do</strong><br />

tomar um banho antes de terminar a tarefa e, com a chegada daquela maldita noite,<br />

acabara a<strong>do</strong>rmecen<strong>do</strong> e afogan<strong>do</strong>-se na banheira. O choro continuava, vin<strong>do</strong> de uma<br />

gargantinha rouca. Dentro de um chiqueirinho, com os de<strong>do</strong>s crava<strong>do</strong>s na redinha de<br />

proteção, uma criança de mais ou menos <strong>do</strong>is anos de idade chorava de joelhos, dentro<br />

de uma calça de moletom azul, com uma camiseta enrolada no pescoço. A lanterna de<br />

Ikeda vagueou um pouco mais, e então Castro finalmente baixou o fuzil. Comovi<strong>do</strong>,<br />

correu até o berço, apanhan<strong>do</strong> o bebê assusta<strong>do</strong>. Ele estava fraco. Tinha fica<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />

aqueles dias e noites terríveis ali, sozinho, sem ninguém para lhe acudir <strong>do</strong> frio, da fome<br />

e <strong>do</strong> me<strong>do</strong>. Era um menino, pela calça azul e pela decoração masculina <strong>do</strong> quarto, cheio<br />

de carrinhos e aviões. A criança era leve e encaixou-se no colo de Castro, que deixou a<br />

arma pendurada pela ban<strong>do</strong>leira no pescoço. Ele se agarrou ao solda<strong>do</strong> e voltou a chorar,<br />

um choro baixo, fraco, de uma criança que estava nas suas últimas forças. Para<strong>do</strong> na<br />

porta <strong>do</strong> quarto estava Rui, que foi surpreendi<strong>do</strong> pela luz de Ikeda em seu rosto.<br />

— Vai, Rui! Chame os enfermeiros, temos uma emergência aqui.<br />

Castro voltou até a sala e não saiu. Lá fora ainda chovia, e teve me<strong>do</strong> de o bebê,<br />

fraco, resfriar-se.<br />

Ikeda voltou ao banheiro e aproximou-se da mãe morta. Girou o registro, fechan<strong>do</strong> a

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!