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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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CAPÍTULO 39<br />

Quan<strong>do</strong> despertou já tinha avança<strong>do</strong> a noite. Lá fora ouvia cães ladran<strong>do</strong> nervosos. O<br />

apartamento estava escuro, e o corpo da vizinha, no chão, enrijeci<strong>do</strong>. Precisou empurrála<br />

com certa força para desvencilhar-se <strong>do</strong> cadáver. O apartamento agora parecia mais<br />

escuro, o que não fazia muito senti<strong>do</strong>, posto que já era noite quan<strong>do</strong> matou a vizinha.<br />

Levantou-se e an<strong>do</strong>u até a janela. A cidade estava apagada. Via clarões difusos a distância.<br />

Não conseguia enxergar bem. Focou na escuridão, buscan<strong>do</strong> desvendar aqueles clarões.<br />

Algumas sinapses e concatenações depois, seu cérebro voltou com a resposta. Eram<br />

prédios em chamas. Assim como ele, a cidade também estava <strong>do</strong>ente. Olhou para o corpo<br />

de Miriam, e novamente uma tristeza brutal tomou sua mente. Não entendia como<br />

aquele novo mecanismo em seu corpo funcionava, mas tinha algo de diferente<br />

comandan<strong>do</strong> sua visão. Ficara um bom tempo olhan<strong>do</strong> pela janela, tentan<strong>do</strong> vencer a<br />

escuridão e entender os clarões que rasgavam o escuro e revelavam o contorno <strong>do</strong>s<br />

prédios ao longe. A noite fechada e a falta de energia seriam um contratempo certo para<br />

isso, mas, como tinha deseja<strong>do</strong> enxergar, sua visão tinha como que “acendi<strong>do</strong>” tu<strong>do</strong>.<br />

Podia enxergar tu<strong>do</strong> ao re<strong>do</strong>r com certa facilidade, sem o mistério vela<strong>do</strong> da penumbra.<br />

Não havia o brilho da luz nem muita sombra contrastan<strong>do</strong> com os objetos. Mas podia<br />

vê-los em seus contornos e em um boca<strong>do</strong> de seus detalhes, prodígio que se revelou<br />

terrível quan<strong>do</strong> o encanto inicial de olhar para os móveis e quadros se desvaneceu e seus<br />

olhos tornaram a se fixar na mulher morta aos seus pés. Ele sabia que ela tinha servi<strong>do</strong> a<br />

um propósito. Ela tinha acaba<strong>do</strong> com sua sede, com sua fome, com sua <strong>do</strong>ença e,<br />

também, através <strong>do</strong> seu líqui<strong>do</strong> da vida, tinha lhe da<strong>do</strong> visão na escuridão e, sobretu<strong>do</strong>,<br />

calma. Agora ele estava bem, estava sereno, lúci<strong>do</strong> e cheio de energia. Não só estava<br />

enxergan<strong>do</strong> melhor, como estava ouvin<strong>do</strong> melhor, estava pleno de vida emprestada<br />

corren<strong>do</strong> por dentro de seu corpo. Vida roubada. Sentia-se tão bem que nem o<br />

inconveniente de ter mata<strong>do</strong> lhe pesava. Teria enlouqueci<strong>do</strong>? Jessé levou as mãos ao<br />

rosto. Sempre leu por aí que os psicopatas não sentiam arrependimento algum em matar.<br />

Não viam aquilo como um erro. Era isso que o estava apavoran<strong>do</strong>. Ele sentia pena pelo<br />

triste fim de <strong>do</strong>na Miriam. Entendia que ela tinha morri<strong>do</strong> e que aquilo era para sempre.<br />

Entendia que aquilo era um crime, um assassinato frio, ainda que perpetra<strong>do</strong> no calor de<br />

sua agonia e insanidade temporária. Entendia que tinha mata<strong>do</strong> alguém que era para ele<br />

como uma mãe. O que o intrigava era que não, não se sentia culpa<strong>do</strong> por isso. Ele tinha<br />

devora<strong>do</strong> a mulher. Simples assim. Como se de uma hora para a outra sua mente tivesse

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