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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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na boca. Seus dentes <strong>do</strong>íam. Seu maxilar ficara duro e ele tentou dizer algo, mas as<br />

palavras não se articularam, porque sua boca e sua língua não se moveram conforme<br />

coman<strong>do</strong>u. A mão mole e a pele solta <strong>do</strong>s de<strong>do</strong>s magros da velhinha se retraíram. Jessé<br />

ainda estava magnetiza<strong>do</strong> pelo o<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sangue, e seus olhos mantiveram-se fixos por<br />

intermináveis seis segun<strong>do</strong>s na pele salpicada de manchas da velhice da senhora.<br />

— Eu machuquei a mão ainda agorinha, guri — gemeu a mulher, puxan<strong>do</strong> o braço<br />

para longe <strong>do</strong> rapaz, com a voz trêmula e um tanto assustada. — Quan<strong>do</strong> abri a latinha<br />

de comida de gato para o Tiquinho. Me cortei.<br />

— Eu falei pra senhora não voltar.<br />

Dona Miriam começou a caminhar de costas, lentamente, para não tropeçar nas<br />

coisas lançadas ao chão num ataque anterior <strong>do</strong> rapaz. Ela já sabia que ele não estava bem<br />

da cabeça. Jessé tinha si<strong>do</strong> um a<strong>do</strong>lescente <strong>do</strong>ce e pacato, aquilo que chamamos de<br />

sujeito normal. Tinha cresci<strong>do</strong> e vira<strong>do</strong> um belo homem. Sempre cordato, sempre<br />

amável com ela e com os vizinhos. Então ele ficara <strong>do</strong>ente naquela noite e não estava<br />

bem da cabeça, nada que assustasse. Dona Miriam cria que o rapaz ia melhorar. Era só<br />

influência daquela loucura toda, culpa daquela noite maldita que tinha vin<strong>do</strong> e deixa<strong>do</strong><br />

to<strong>do</strong>s sem televisão. Sem televisão o povo ficava nervoso. Ela sabia. Então viu aquele<br />

olhar. Aquele olhar que poucas vezes vira em sua vida. O olhar de um louco insano, <strong>do</strong><br />

vilão da novela das oito. Ela sabia que alguém com aquele olhar boa coisa não queria.<br />

Aquilo ligou to<strong>do</strong>s os seus senti<strong>do</strong>s de alerta, colocan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o seu corpo velho em rota<br />

de fuga. Já virava no corre<strong>do</strong>r <strong>do</strong> apartamento, pronta para correr. Porém, uma mão fria<br />

aferrou-se <strong>do</strong>loridamente ao seu ombro, comprimin<strong>do</strong> seu nervo e fazen<strong>do</strong>-a soltar um<br />

grito.<br />

Jessé já não era <strong>do</strong>no de sua vontade. Ele agarrou a mulher pelo pescoço e arrastou-a<br />

para a sala, bateu com a cabeça dela duas vezes contra a parede <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r para que ela<br />

desmaiasse. Sua tática não funcionou, só fez com que ela gritasse e implorasse ainda mais<br />

para que a soltasse. A velha chorava, e era uma delícia ouvi-la gritar em pânico absoluto.<br />

Assim que ela deixara o quarto, não era só o cheiro <strong>do</strong> sangue que o atraía. Ela exalava<br />

outra coisa e era aquilo. Me<strong>do</strong>. Pavor. Me<strong>do</strong> dele. Pavor dele. Senti-la se debaten<strong>do</strong> sob<br />

seus de<strong>do</strong>s era excitante. Lembrava que a tinha agarra<strong>do</strong> com força pela cintura e que,<br />

impulsivamente, tinha lhe da<strong>do</strong> uma mordida no pescoço, e então algo como um<br />

orgasmo percorreu seu corpo, alivian<strong>do</strong> aquela aflição que o tinha toma<strong>do</strong> desde a noite.<br />

O sangue quente da mulher molhou sua boca e aplacou a sede. Jessé agarrou-a com mais<br />

firmeza e desferiu outra mordida. Agora o jorro de sangue foi poderoso. Ele tinha feito a<br />

coisa de forma instintiva e, na segunda mordida, algo como uma mensagem se<br />

consoli<strong>do</strong>u em sua cabeça. Era assim. Tinha que fazer o sangue jorrar direto para sua

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