19.04.2013 Views

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Os <strong>do</strong>is riram enquanto Amintas deixava a água fria descer pelos ombros. Ficou lá<br />

cala<strong>do</strong> e para<strong>do</strong> por uns três minutos pela primeira vez naquele dia. Ele era assim.<br />

Mesmo com a terceira idade lhe dan<strong>do</strong> boas-vindas, Amintas era inveja<strong>do</strong> pelos amigos<br />

mais novos pelo vigor que esbanjava. Girou o registro, fechan<strong>do</strong> a água, e voltou até a<br />

frente <strong>do</strong> seu armário. Destrancou o cadea<strong>do</strong>, guar<strong>do</strong>u o sabonete e a escova de dentes e,<br />

assim que se vestiu com a roupa limpa e passada da qual <strong>do</strong>na Zelina fazia questão de<br />

cuidar pessoalmente, apanhou o saco par<strong>do</strong> de papel e tirou de dentro o seu .38<br />

guarda<strong>do</strong> no coldre, prenden<strong>do</strong>-o na cintura. Passou um perfume barato e saiu para o<br />

salão. Notou que Ernesto não estava lá, dan<strong>do</strong> o costumeiro trato na pista de dança,<br />

enceran<strong>do</strong> e passan<strong>do</strong> um pano com produto perfuma<strong>do</strong>. Ele fazia aquilo to<strong>do</strong> dia. O<br />

Cigana abria brilhan<strong>do</strong> para ir se enchen<strong>do</strong> de gente, chegan<strong>do</strong> no ápice lá pelas duas da<br />

madrugada. As garotas eram as mais lindas da cidade. Em noite boa, coisa de sessenta<br />

dessas beldades desfilavam pelo salão cheio de marmanjos e moleques recém-saí<strong>do</strong>s das<br />

fraldas. Muitas delas se exibiam em espetáculos concorri<strong>do</strong>s, fazen<strong>do</strong> stripteases ou<br />

danças sensualíssimas, imitan<strong>do</strong> as rainhas de escola de samba cariocas, com seus trajes<br />

brilhantes e empluma<strong>do</strong>s ou fazen<strong>do</strong> os homens irem ao delírio com o corpo pinta<strong>do</strong><br />

como índias morenas de peitos empina<strong>do</strong>s. Mas essa festa só fazia tanto sucesso porque a<br />

gerente, Dona Zelina, estava ali, to<strong>do</strong> dia, de olho na limpeza e na segurança <strong>do</strong>s<br />

convivas. Era ela quem limpava o chão da casa, polia os metais <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>s onde as garotas<br />

se penduravam e giravam, mantinha os quartinhos arrumadinhos e cheirosinhos toda<br />

santa noite. To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sabia que <strong>do</strong>na Zelina era uma ex-puta que ostentava em seu<br />

cartel cerca de cinquenta homens enlouqueci<strong>do</strong>s, três mortos embriaga<strong>do</strong>s — por cachaça<br />

ou por suas curvas enfeitiçadas, que a tinham disputa<strong>do</strong> em briga de faca — e para lá de<br />

duas dúzias de casamentos desfeitos. Dona dessa reputação infernal e de um corpo<br />

perdi<strong>do</strong> para o tempo, ela preferiu continuar trabalhan<strong>do</strong> no Cigana, junto das meninas e<br />

da agitação, e longe de um previsível mari<strong>do</strong> moralista e castra<strong>do</strong>r que pregava aos<br />

quatro cantos a decência e a abominação à promiscuidade, mas que to<strong>do</strong> fim de noite<br />

seria capaz de se esgueirar pelos inferninhos pagan<strong>do</strong> um extra para tomar umas dedadas<br />

no meio <strong>do</strong> vuco-vuco. O pessoal mais antigo da casa ainda dizia em tom de chacota<br />

durante a bebericagem que Dona Zelina era a verdadeira empresária <strong>do</strong>na de tu<strong>do</strong> ali, e<br />

não o deputa<strong>do</strong> Vieira, como eram leva<strong>do</strong>s a crer. Ela tinha si<strong>do</strong> a melhor amiga de<br />

Marta Cigana, a funda<strong>do</strong>ra da casa havia três décadas, dan<strong>do</strong> um ralo dana<strong>do</strong> para fazer a<br />

boate vingar junto da amiga. Marta e Zelina eram confidentes das boas e más horas. Foi<br />

Zelina que tirou Marta da cadeia duas vezes durante o regime militar, e to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> na<br />

cidade sabia que ela não precisou gastar um único centavo para convencer o comandante<br />

a soltar a patroa inocente. Justiça seja feita, o bordel-boate só prosperou com a passagem

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!