19.04.2013 Views

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sumiço de to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Lá fora as pessoas estavam histéricas, carregan<strong>do</strong> gente <strong>do</strong>ente<br />

nos braços. Um corpo tinha amanheci<strong>do</strong> na frente da delegacia logo para baixo.<br />

Ninguém sabia de nada nem dava explicações. Havia visto <strong>do</strong>is prédios pegan<strong>do</strong> fogo no<br />

caminho da favela até ali. Nenhum carro <strong>do</strong>s bombeiros. Nenhuma viatura de polícia. As<br />

pessoas estavam entocadas dentro de casa, como se elas também tivessem mata<strong>do</strong> alguém<br />

e quisessem se esconder. Adilson estava de saco cheio daquela vida. Ia pegar o dinheiro e<br />

mudar. Não ia mudar só de lugar, de cidade. Ia mudar mesmo. Abrir uma birosca, uma<br />

quitanda. Podia também agiotar com o dinheiro. Mesmo como um agiota não ia passar<br />

pela metade <strong>do</strong> que passava naquela vida de assaltante. A verdade é que ele estava<br />

cansa<strong>do</strong> de <strong>do</strong>rmir com um olho aberto e outro fecha<strong>do</strong>. Cansa<strong>do</strong> de ficar com me<strong>do</strong> de<br />

sentar de costas para as portas, de se sobressaltar quan<strong>do</strong> um balão de aniversário<br />

estourava, sempre achan<strong>do</strong> que tinha um policial queren<strong>do</strong> grana na sua cola ou um<br />

parceiro <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> cão, <strong>do</strong>i<strong>do</strong> por uma brecha para acabar com ele na trairagem.<br />

— Quer mais uma? — perguntou Cabeção, apontan<strong>do</strong> para a lata de cerveja.<br />

— Manda aí.<br />

Os <strong>do</strong>is já tinham bebi<strong>do</strong> duas dúzias de latinhas. Adilson era bem acostuma<strong>do</strong> com<br />

cerveja na mesa de boteco, jogan<strong>do</strong> truco com os malandros da vila até altas horas,<br />

maman<strong>do</strong> todas até o sol raiar. Já o moleque tinha fica<strong>do</strong> alegre na quinta latinha,<br />

começa<strong>do</strong> a falar mole na oitava e a bambear na décima. Adilson estava torcen<strong>do</strong> para ele<br />

cair de bêba<strong>do</strong> e parar de andar para lá e para cá que nem um panaca. Sem contar que ele<br />

não parava de falar, tinha pergunta<strong>do</strong> umas oitenta vezes as horas, onde será que estava o<br />

Comandante, onde estava o Urso Branco. Pelo menos tinha fecha<strong>do</strong> a cortina. Tinha<br />

passa<strong>do</strong> a tarde toda lá, contan<strong>do</strong> os carros e as pessoas desmaiadas que eram carregadas<br />

pelos transeuntes. Depois de começar a tomar cerveja tinha se acalma<strong>do</strong>, e agora Adilson<br />

sorria ven<strong>do</strong>-o cambalear em direção à cozinha <strong>do</strong> imenso e insuspeito sobra<strong>do</strong>. Nisso o<br />

Djalma era bom. Quem ia pensar que a quadrilha de traficantes mais procura<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

Brasil estaria alojada numa casa coladinha a uma delegacia? A ideia era brilhante! Bem<br />

que Adilson queria ter uma casa de bacana como aquela para a sua criançada se acabar de<br />

brincar. O duro é que casa de bacana custava caro. Não era só comprar a casa e pronto.<br />

Depois tinha IPTU to<strong>do</strong> ano, manutenção, pintura. Manter uma casa daquela era broca.<br />

Quanto será que não viria de conta da Eletropaulo? Adilson cortou seu fluxo de<br />

pensamento burguês ao ouvir um baque na cozinha. Olhou para a porta e viu uma lata<br />

de cerveja rolan<strong>do</strong> para dentro da sala. O puto <strong>do</strong> Cabeção tinha caí<strong>do</strong> de bêba<strong>do</strong>.<br />

Adilson caminhou até a cerveja e apanhou a lata, que ainda girava. Quan<strong>do</strong> levantou-se<br />

em direção à cozinha o sangue gelou nas veias. Uma mulher na porta bloqueava o<br />

caminho. Não era uma mulher qualquer. Era uma morta que tinha si<strong>do</strong> enterrada, uma

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!