19.04.2013 Views

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

andan<strong>do</strong> aqui fora agora que anoiteceu.<br />

Ludmyla puxou Jessé pela calçada e começaram a se afastar em passos rápi<strong>do</strong>s.<br />

— Nem vem me perguntar nada. Você ia atacar o pobre homem.<br />

— Eu? Você que estava lamben<strong>do</strong> os beiços e com os dentes enormes prontos para<br />

pular no pescoço dele.<br />

— Ele já aju<strong>do</strong>u muito a minha mãe. Eu não queria matá-lo.<br />

Jessé franziu a testa e balançou a cabeça.<br />

— Não faz senti<strong>do</strong> essa clemência toda com ele.<br />

— Tá falan<strong>do</strong> isso por causa <strong>do</strong> meu irmão, não é?<br />

— Justo.<br />

— Não fica me pedin<strong>do</strong> explicação. Eu ainda não tô entenden<strong>do</strong> isso tu<strong>do</strong>. Não<br />

queria matar outra pessoa. Já está me arrancan<strong>do</strong> o coração <strong>do</strong> peito ter feito o que fiz<br />

com meu irmão e estar, ainda por cima, fugin<strong>do</strong> com o rabo no meio das pernas,<br />

aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> o corpinho frio dele para trás. Estou me sentin<strong>do</strong> mais que uma assassina,<br />

uma ladra, porque ele ainda vive em minhas veias.<br />

Caminharam em silêncio por três quadras. Não conversavam, mas suas mentes<br />

voavam, revolutean<strong>do</strong> nas imagens que iam chegan<strong>do</strong> aos seus olhos. Ruas praticamente<br />

desertas, sem carros ou motos. Quan<strong>do</strong> um automóvel passava estava sempre em alta<br />

velocidade, com malas e coisas amarradas ao bagageiro, quase tocan<strong>do</strong> o chão de tão<br />

abarrota<strong>do</strong> que ia, com gente bradan<strong>do</strong> aos que a vissem: “Fujam daqui! Levem tu<strong>do</strong> o<br />

que puderem e não voltem!”. Talvez estivessem certos. Talvez fosse o fim <strong>do</strong>s dias. A<br />

única coisa que não sabiam é que não teriam onde se esconder.<br />

Viram ao menos seis prédios arden<strong>do</strong> em chamas sem ter quem socorresse. Na frente<br />

desses prédios encontravam gente, um amontoa<strong>do</strong> de pessoas, em pijamas, em desespero,<br />

olhan<strong>do</strong> com olhos cheios d’água para suas residências evaporan<strong>do</strong>, subin<strong>do</strong> e sumin<strong>do</strong><br />

com a fuligem. Ouviam o murmurinho, ouviam frases soltas aqui e ali. Coisas <strong>do</strong> tipo:<br />

fulano foi de carro ao Corpo de Bombeiros, sicrano estava lá dentro, vítima da <strong>do</strong>ença<br />

<strong>do</strong> sono. Escutavam lamentos enquanto as labaredas vermelhas e laranjas eram refletidas<br />

nas íris <strong>do</strong>s que permaneciam com os olhos para cima. O par encontrou outros pares. No<br />

meio da gente desesperada que via seus apartamentos arderem, oriun<strong>do</strong>s também daquele<br />

vespeiro em chamas, eram iguais. Ao menos <strong>do</strong>is com resquícios de sangue no canto <strong>do</strong>s<br />

lábios. O fogo oportuno apagaria os traços de barbárie, e estariam livres para matar mais<br />

gente ao re<strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> ela voltasse. Ela. A sede infernal. A sede que <strong>do</strong>minava a mente.<br />

Daí, viraram a esquina e novamente vinha a noite escura e fria. Passaram também pela<br />

frente de uma dúzia de casas comerciais ao nível da rua, carbonizadas, exalan<strong>do</strong> uma<br />

fumaça branca. Em nenhuma delas sinais de que os bombeiros tivessem da<strong>do</strong> as caras

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!