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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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Quan<strong>do</strong> pegou na arma pela primeira vez, com a certeza de que iria matar o assassino <strong>do</strong><br />

seu pai, sabia muito bem o que estava fazen<strong>do</strong> e o risco que estava corren<strong>do</strong>. Ser pego<br />

fazia parte <strong>do</strong> jogo. Era risco calcula<strong>do</strong> e aceito. Se tinha um erro em como as coisas<br />

haviam ocorri<strong>do</strong> talvez fosse a decisão de não ter para<strong>do</strong> ali, na justiça feita a seu velho, e<br />

ter começa<strong>do</strong> a aceitar os pedi<strong>do</strong>s da vizinhança à mercê da malandragem. Vicente tinha<br />

se torna<strong>do</strong> persona non grata nas duas frentes: era malvisto pelos homens da lei e odia<strong>do</strong><br />

pelos bandi<strong>do</strong>s.<br />

Quan<strong>do</strong> pisou <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora, ninguém estava ali lhe esperan<strong>do</strong>. Não tinha ninguém<br />

no mun<strong>do</strong> para recebê-lo de braços abertos após o cumprimento da pena. Enfiou a mão<br />

no bolso, apanhan<strong>do</strong> o seu lega<strong>do</strong> obti<strong>do</strong> na última semana de cárcere. Tirou um cigarro<br />

<strong>do</strong> maço e o enfiou na boca, acendeu-o e deu uma longa tragada, olhan<strong>do</strong> para trás, para<br />

o portão e para as torres de vigia que agora não eram mais da sua conta. Tinha uma<br />

porção de mulheres junto ao muro da prisão, uma fila interminável de mães, esposas,<br />

irmãs, tias, filhas e toda a sorte de gente aguardan<strong>do</strong> sua vez na hora da visita. Respirou<br />

fun<strong>do</strong>. Não sentia mais aquele cheiro <strong>do</strong>ce que sentira na madrugada em que a rebelião<br />

começou. Achava que era alucinação sua, uma vez que mais ninguém sentiu. Um o<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong>ce e penetrante. Parecia até que um tambor de perfume vagabun<strong>do</strong> tinha vira<strong>do</strong> no<br />

meio da cela. Mas ali fora era diferente. A cidade fedia a liberdade. A cidade estava<br />

estranha. Vicente tomou o rumo <strong>do</strong> seu bairro. Não ia pegar ônibus nem metrô; apesar<br />

<strong>do</strong> cansaço pela falta de sono nas últimas duas madrugadas, queria ver tu<strong>do</strong> o que<br />

pudesse. Estava livre! Queria andar e ver como é que o mun<strong>do</strong> estava, o mun<strong>do</strong> que<br />

agora só conhecia pela tela da TV. Principalmente achar uma mulher com quem se deitar<br />

e matar a saudade <strong>do</strong>s cheiros, sabores e delícias. Depois disso ia matar a curiosidade de<br />

conhecer a tal da internet que era mostrada na televisão, nos jornais e nos filmes a que<br />

assistia. Ficar para<strong>do</strong> na cadeia dava muita ideia. Já tinha seu plano, escrito numa folha<br />

de papel sulfite, <strong>do</strong>bra<strong>do</strong> e guarda<strong>do</strong> no bolso.<br />

Não precisou passar mais que cinco quarteirões para saber que, por mais mudada que<br />

a vida <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora estivesse, aquele não era um dia normal. No único boteco que<br />

encontrou aberto, foi atendi<strong>do</strong> por um balconista com um pano encardi<strong>do</strong> pendura<strong>do</strong> no<br />

ombro. Um papel par<strong>do</strong> preso com durex na tela da TV avisava que estava quebrada.<br />

Pediu uma cachaça, e o tempo que levou para tomar o pequeno copo de 51 bastou para<br />

ouvir histórias bizarras e diferentes. Aquela coisa de gente desmaiada não era só no<br />

presídio; no fim das contas, o agente penitenciário tinha fala<strong>do</strong> a verdade para os<br />

amotina<strong>do</strong>s. A cidade inteira estava sofren<strong>do</strong> com isso. Da porta <strong>do</strong> bar via duas colunas<br />

de fumaça negra subin<strong>do</strong> ao céu.<br />

— Esses prédios tão queiman<strong>do</strong> desde ontem — informou o balconista.

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