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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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— E agora? O Comandante man<strong>do</strong>u esperar a ligação dele para passar a <strong>do</strong>utora. —<br />

A terceira voz era de uma mulher.<br />

Raquel repassou o processo <strong>do</strong> Djalma e lembrou-se de três mulheres que<br />

trabalhavam com o traficante em sua cadeia de extorsão e terror. Uma era a Sardenta:<br />

além de ser seu braço direito, era sua parceira. Garota de vinte e um anos e suspeita de,<br />

ao menos, quatro assassinatos, incluin<strong>do</strong> o de uma policial militar mora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Morro<br />

Torto. No jargão, Sardenta era a típica sangue ruim. Sardenta e Comandante eram os<br />

anjos da guarda <strong>do</strong> traficante. Anjos de asa negra. Outra era a Vanessa, uma menor de<br />

idade que tinha si<strong>do</strong> tirada de um puteirinho <strong>do</strong> interior <strong>do</strong> Mato Grosso <strong>do</strong> Sul e<br />

trazida para a favela como amásia de um <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Urso Branco. A terceira era a<br />

Nora Braço, ex-detenta, presa mais de quatro vezes por tráfico e estelionato, era forte e<br />

briguenta. No meio <strong>do</strong>s pensamentos, Raquel percebeu sua visão escurecer. A secura na<br />

garganta aumentou, e também começou uma <strong>do</strong>r forte no peito. A mulher <strong>do</strong>brou-se<br />

pela enésima vez. Estava <strong>do</strong>ente. Só podia ser isso. Tinha a<strong>do</strong>eci<strong>do</strong>, ou a pancada em sua<br />

cabeça na hora <strong>do</strong> acidente fizera alguma coisa em seu cérebro, talvez uma concussão, até<br />

mesmo um traumatismo, e agora tu<strong>do</strong> estava se embaralhan<strong>do</strong>. Passou a mão pela cabeça.<br />

Estava menos <strong>do</strong>lori<strong>do</strong> o local da pancada que nem mesmo parecia incha<strong>do</strong>. Mas seus<br />

lábios ardiam e seu estômago se contorcia furiosamente. Ela soltou um ronco<br />

involuntário pela garganta e caiu de joelhos. Sede. Muita sede. Queria beber algo.<br />

Qualquer coisa. Raquel tapou a boca com as duas mãos, temen<strong>do</strong> ser ouvida. A faca de<br />

aço escapou de seus de<strong>do</strong>s, tilintan<strong>do</strong> e paran<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong> oco de um bloco de cimento.<br />

Raquel sentiu o ar faltar no peito, uma ardência aumentan<strong>do</strong> em seu tórax, e então um<br />

zuni<strong>do</strong> nos ouvi<strong>do</strong>s. Por um segun<strong>do</strong> pareceu que não estava ali, naquele lugar estranho,<br />

naquele cafofo perdi<strong>do</strong> no meio de uma favela. Por um segun<strong>do</strong> ela se viu na praia onde<br />

veraneava, o sol rajan<strong>do</strong> forte acima de sua cabeça. Então ouviu a voz de seu mari<strong>do</strong>. Ele<br />

chamou seu nome. Raquel sentiu um frio na barriga. Ele vinha com Pedro segura<strong>do</strong> pela<br />

mão. Os olhos, agora maternos, procuravam por Breno na paisagem, sem conseguir<br />

encontrá-lo. Só Pedro estava com Davi. Os cabelos de fogo <strong>do</strong> menino esvoaçan<strong>do</strong> com a<br />

brisa <strong>do</strong> mar, lin<strong>do</strong>, de bermudão e prancha debaixo <strong>do</strong> braço, esbanjan<strong>do</strong> aquele sorriso<br />

encanta<strong>do</strong>r que tinha herda<strong>do</strong> <strong>do</strong> pai. O som real da arrebentação em seus ouvi<strong>do</strong>s.<br />

Raquel começou a correr de encontro à sua família amada. A ventania aumentou até que<br />

os grãos de areia encobrissem sua visão, mergulhan<strong>do</strong> a silhueta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> num negrume<br />

impenetrável. Viu Pedro soltan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> pai e corren<strong>do</strong> em sua direção, com a mão<br />

estendida. Pedro pedia ajuda. Então ela bateu com a testa no chão, soltan<strong>do</strong> outro fluxo<br />

de vômito. Estava mais uma vez lá, naquele lugar féti<strong>do</strong> e asqueroso. E estava com raiva,<br />

muita raiva. O som <strong>do</strong> ambiente voltou aos seus ouvi<strong>do</strong>s. Aquelas vozes discutiam. Então

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