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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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senha de Everal<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> ele se atrasava um pouquinho por ter saí<strong>do</strong> com os amigos da<br />

esposa para uma baladinha. Um ajudava o outro, enraizan<strong>do</strong> aquela camaradagem<br />

corporativa que, às vezes, ameaçava chegar às vias de fato. De forma antagônica, agora<br />

queria dizer “não” à filha <strong>do</strong> Medeiros que, em última instância, era a mesma coisa que<br />

dizer não ao próprio. Sinuca de bico. Everal<strong>do</strong> estava cansa<strong>do</strong>, com sono e preocupa<strong>do</strong><br />

com a esposa.<br />

— O que é aquilo? — dardejou a morena ao virarem a primeira rua.<br />

— Um incêndio. Dos grandes.<br />

— Pai ama<strong>do</strong>. Será que é no supermerca<strong>do</strong> novo?<br />

Everal<strong>do</strong> deu de ombros enquanto passava a marcha, ganhan<strong>do</strong> aceleração e entran<strong>do</strong><br />

na avenida principal <strong>do</strong> bairro. Nem sabia que tinha supermerca<strong>do</strong> novo.<br />

Os <strong>do</strong>is continuaram em silêncio por mais um minuto completo, então os olhos de<br />

Dolores passearam pelas calçadas, capturan<strong>do</strong> fragmentos de pequenos dramas. Um<br />

homem forte carregava com dificuldades um carrinho de obras, só que, em vez <strong>do</strong><br />

carregamento de massa de concreto, trazia uma senhora obesa, aparentemente desmaiada.<br />

Depois viu um menino, de pijamas azuis, coisa de sete anos, encolhi<strong>do</strong> embaixo da<br />

marquise de uma loja de R$ 1,99, com os olhos vermelhos como se sofresse um estágio<br />

avança<strong>do</strong> de conjuntivite. Ele se espremia to<strong>do</strong>, com os olhos aponta<strong>do</strong>s para a faixa de<br />

sol que estava na calçada, como se estivesse com me<strong>do</strong> da claridade. Então, na porta de<br />

um edifício entre uma padaria e uma farmácia, um senhor com duas crianças inertes no<br />

colo, choran<strong>do</strong> como se os filhos estivessem mortos.<br />

— Everal<strong>do</strong>? O que está acontecen<strong>do</strong>?<br />

Uma ambulância descia a avenida, as pessoas paravam para olhar.<br />

— Não faço ideia.<br />

— Até que você está falan<strong>do</strong> pouco para quem tem fama de falar pelos cotovelos —<br />

espezinhou a mulher, rin<strong>do</strong> da própria piada.<br />

— Tem hora que é para falar e tem hora que é para calar.<br />

Dolores continuou com um sorriso bobo no rosto e tornou a olhar para fora. A<br />

opressora coluna negra de fumaça voltava a surgir no horizonte, forçan<strong>do</strong> seu sorriso a<br />

murchar.<br />

— Para falar a verdade, Dolores, eu tô cagan<strong>do</strong> nas calças.<br />

A mulher não riu nem fez graça dessa vez. Sabia exatamente o que o colega <strong>do</strong> pai e<br />

ex-amigo de faculdade estava queren<strong>do</strong> dizer. Ele não precisava exprimir mais nenhuma<br />

palavra pela boca. Ela sentiu um frio na barriga subir até chegar ao pescoço. Uma viatura<br />

de polícia estava parada na esquina seguinte; no chão, quatro corpos cobertos por lençóis<br />

que deveriam ser brancos, mas que agora, protegen<strong>do</strong> os cadáveres, estavam toma<strong>do</strong>s de

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